Será que o mundo microscópico possui uma realidade?
No início do século XX, houve uma grande revolução na física, quando os pesquisadores perceberam que as regras mudavam no que dizia respeito aos objetos microscópicos, como, por exemplo, fótons (luz) ou átomos. As novas regras, chamadas quânticas, parecem bastante absurdas: a interpretação que atualmente se dá a elas consiste em dizer que, na verdade, não podemos dizer nada sobre o fenômeno e que a única coisa que podemos fazer é calcular as probabilidades de obtermos certos resultados.
Porém, há outra possível interpretação, em termos de trajetórias, que é totalmente consistente. Isso nos leva naturalmente à questão da existência das partículas. Após ter resumido como as ideias se desenvolveram, o Prof. Dr. Patrick Peter, pesquisador do Institut d’Astrophysique de Paris (IAP), França, e palestrante convidado da 99ª palestra inserida no programa Ciência às 19 Horas, realizada no dia 09 de junho, mostrou também como é possível resolver o debate, por enquanto filosófico, com experiências puramente físicas.
Para o pesquisador francês, as novas regras da física parecem bastante absurdas porque são regras que não falam realmente sobre o que está acontecendo, mas sim para apenas apontarem o que realmente se pode medir: ou seja, antever um pouco aquilo que pode acontecer em um aparelho de medida, mas não o que vai acontecer de verdade. Existe uma versão da mecânica quântica que tem certa realidade que podemos encontrar, ou não. Isso é meio difícil, confuso, pontua Patrick, que sorri com a insistência de nossa pergunta: Mas, existe outra interpretação? Para o pesquisador, não é bem o caso de haver outra interpretação, mas sim o fato de existir outra maneira de formular, outra visão da mecânica quântica que, segundo algumas pessoas, está mais perto da formação clássica e daí o fato de haver muita gente que não gosta. Ela é bem diferente, traz os mesmos resultados e implica que há uma realidade, mas se fosse apenas isso, seria só uma questão filosófica, porque as predições seriam as mesmas. Agora, existem algumas situações – inclusive na cosmologia primordial – em que as previsões podem ser diferentes, dependendo muito das condições iniciais, porque a teoria é a mesma… Essa formulação da mecânica quântica é a mesma coisa do que a formulação usual. Elas têm as mesmas predições em quase todas as situações. Existem algumas situações bem difíceis de obterem, mas quando isso acontece podemos ter uma predição um pouco diferente. Com sorte, já temos visto essas predições diferentes, elucida Patrick Peter.
Por outro lado, na cosmologia, mais que uma interferência direta, essa área é sensível ao que chamamos de perturbações originais, já que todo o universo advém delas. Tem aquele príncipe cosmológico que diz que o universo deve ser homogêneo e isotrópico; bem, se fosse exatamente homogêneo e isotrópico não existiria ninguém para falar disso. Então, acontece que, às vezes, o vácuo inicial (o início do universo foi o vácuo) tem aquelas flutuações que são originárias da mecânica quântica, que é a origem de tudo o que observamos no universo, hoje. Agora, essas flutuações podem ser exatamente iguais às da mecânica quântica, ou diferentes, como achamos que podem ser. Se for esse o caso, as predições que vemos, por exemplo, na radiação cósmica de fundo (medida feita recentemente pelo Satélite Planck*), podem ter algumas diferenças e estamos estudando justamente isso agora, salienta Patrick Peter.
Com um debate profundo e por vezes controverso sobre o tema, é óbvio que existem muitas diferenças científicas, cuja única conclusão pode ser obtida apenas através de experimentos. O pesquisador francês afirma que existem várias predições para algumas teorias, outras predições para outra teoria mais específica, mas o certo é que só fazendo experimentos é que se chegará à conclusão certa, aliás, como é apanágio na ciência.
Ainda na área da cosmologia, onde Patrick Peter é especialista, o caminho para a resolução de muitas questões ainda se antevê bastante longo, embora do ponto de vista dos pesquisadores se tenha avançado muito. Faltam algumas coisas… Podemos fazer a descrição total de tudo o que aconteceu no universo nos últimos quatorze bilhões de anos, o que já é bom. Mas, essa descrição tem pequenas coisas que realmente não entendemos – como a energia e matéria escuras, que são coisas que se tornarão extremamente importantes no futuro. Hoje, a cosmologia é uma área muito bem entendida, na qual tem muitos mistérios profundos ainda para serem descobertos. Então, eu digo que é uma situação perfeita para um pesquisador. Tem a ver com a observação, justamente, sublinha Patrick.
O telescópio Hubble, por exemplo, é apenas um grão de areia na observação infinita do universo, já que ele apenas capta até um determinado ponto. Contudo, segundo Patrick Peter, daqui a cinco ou dez anos deverão ser lançados outros satélites, existindo, por isso, muitos projetos que certamente darão muitos dados resultados. Existe uma fenomenologia da cosmologia que está bem entendida, agora é necessário desenvolver e alcançar uma teoria mais profunda e interessante, por forma a se chegar a um conjunto de dados novos, previstos para serem obtidos exatamente daqui a cinco ou dez anos. Mesmo com isso, o cientista nunca termina e iremos chegar a um ponto onde se poderão preencher lacunas e abrir outras fronteiras. “Isso sempre acontece na ciência. Por isso é legal, conclui o pesquisador.
*Satélite europeu lançado em 2009 pela European Space Agency (ESA), com o intuito de detectar o rastro da primeira luz emitida depois do Big Bang. Desde 2013, o satélite tem fornecido medições precisas envolvendo diversos parâmetros cosmológicos.
(Rui Sintra – jornalista)