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16 de março de 2018

Vidro: 6.000 anos de maravilhas e mitos

Edgar Dutra Zanotto, docente e pesquisador do Departamento de Engenharia de Materiais – DEMa – Centro de Ensino, Pesquisa e Tecnologia de Materiais Vítreos (CeRTEV), da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), foi o palestrante convidado de mais uma edição do programa Ciência às 19 Horas, que ocorreu no dia 23 de agosto de 2016, pelas 19 horas, no Auditório Prof. Sérgio Mascarenhas (IFSC/USP).

Em sua apresentação – dinâmica e muito interessante -, intitulada Vidro: 6.000 anos de maravilhas e mitos, Zanotto abordou diversos assuntos relacionados com o vidro, tendo colocado algumas questões curiosas, como, por exemplo, se os vidros de catedrais medievais escorrem, ou se é possível quebrar um vidro no grito. O palestrante descreveu, ainda, como o vidro foi descoberto há cerca de 6.000 anos, tendo ilustrado como ele é produzido e as suas principais propriedades físico-químicas e, na sequência, mostrado algumas aplicações conhecidas, como o Gorilla Glass, dos telefones celulares, e outras menos convencionais, como vidros para uso em medicina e odontologia, vidros que absorvem calor, vidros para visão noturna e vidros para tacos de golfe! No final de sua apresentação, o palestrante levantou um pouco o véu sobre as causas das imagens sacras que apareceram misteriosamente numa janela de vidro em Ferraz de Vasconcelos (SP), bem como vídeos (em Inglês) sobre o famoso tenor italiano Enrico Caruso e a cantora norte-americana Ella Fitzgerald, que quebravam vidros de janelas e taças de vinho com a própria voz!

Na verdade – e indo diretamente ao encontro do tema desta edição do programa Ciência às 19 Horas -, o vidro foi descoberto acidentalmente há aproximadamente seis mil anos, sendo um dos materiais mais antigos que se conhece, isto, claro, em relação ao vidro artificial, porque também existem vidros naturais produzidos na natureza, sendo que esses sempre existiram. No entanto, segundo Edgar Zanotto, só aproximadamente nos últimos cem anos é que a ciência e a tecnologia do vidro começaram a atuar de forma incisiva e exploratória. Apesar de ser um material que tem seis mil anos, só nos últimos cem anos é que os cientistas começaram a se interessar e a tentar entender e a controlar as propriedades do vidro. E o interessante é que, aqui no Brasil, essa ciência tem quarenta anos e começou exatamente no Instituto de Física da USP, com o Prof. Aldo Aldo Craievich, conforme explica Zanotto: O primeiro artigo científico publicado por um autor vinculado a uma instituição brasileira é de autoria desse renomado pesquisador, que chegou a dar aulas aqui no IFSC/USP, há muitos anos: foi em 1975, numa revista chamada Physics and Chemistry of Glasses, que, por sinal, está comemorando cem anos, sendo a publicação mais antiga dedicada exclusivamente a vidros. E o professor Aldo publicou, então, o artigo em 1975. Eu me formei em 1976 e fui contratado pela engenharia de materiais, como uma espécie de auxiliar de ensino, sem mestrado, sem nada, para montar essa área de vidros no Brasil. E só tinha o professor Aldo e fiz um mestrado aqui na física, por conta dessa coincidência, esclarece nosso convidado.

No que respeita às principais pesquisas que estão sendo feitas no mudo, nesta área, talvez a principal seja tentar entender o genoma dos vidros, a influência de sua estrutura, em nível molecular, as propriedades ópticas, térmicas, mecânicas, eletrônicas, químicas, biológicas etc. Segundo Edgar Zanotto, existe um grande esforço dos pesquisadores nesse assunto, tentando entender os efeitos da estrutura, nas propriedades, para, a partir daí, poderem controlar as estruturas visando desenvolver vidros com certas propriedades e aplicações, algo que, segundo o palestrante, é bastante complexo. É usada muita dinâmica molecular, métodos DFT calculations e muita simulação, porque o acesso experimental, na escala atômica, ainda é restrito, apesar de existirem microscópios eletrônicos de altíssima resolução, difração de nêutrons, difração de Raios-X; mas essas técnicas são muito melhor adaptadas a materiais cristalinos. Os vidros, pelas suas estruturas totalmente desordenadas, dificultam a análise, elucida Zanotto. Outro tipo de pesquisa, na qual a equipe de Edgar Zanotto, na UFSCar, está profundamente envolvida, é cristalizar controladamente os vidros. Os vidros são materiais totalmente desordenados, são líquidos que foram congelados. Eles têm uma tendência à cristalização se forem aquecidos. Então, é possível aquecer controladamente os vidros a determinadas temperaturas e mudar a estrutura de amorfa desordenada para cristalina. Com isso, as propriedades mudam radicalmente e consegue-se formar alguns materiais chamados vitrocerâmicos, que não são vidros, nem são cerâmicas: são materiais cristalinos, obtidos através do controle da cristalização de vidros. Eu trabalho muito nessa área, principalmente no entendimento dos processos de nucleação de cristais, do crescimento dos cristais, de sua organização, da cristalização da combinação desses dois fenômenos, da cinética difusional, em como os átomos se difundem em função da temperatura, se rearranjam, etc. Enfim, tudo isso tem muito trabalho, tanto de cunho eminentemente teórico, como fundamental, quanto, ainda, de cunho aplicado, visando desenvolver esses vidros cerâmicos para uma série enorme de aplicações.

O designado Gorilla Glass é uma das principais inovações surgidas com as pesquisas desenvolvidas em vidro, um material que resiste a oito toneladas por centímetro quadrado. É um material que demorou entre cinco e seis anos para ser desenvolvido pelos pesquisadores, com muito esforço, com muita gente controlando inúmeros detalhes para se chegar até ao produto final. O Gorilla Glass já está sendo usado nos carros top de linha, substituindo, de forma inacreditável, um vidro de 7,8 milímetros de espessura por um de 1 milímetro, com mais resistência e muito menos peso. Outra pesquisa que está sendo desenvolvida pelos pesquisadores é relacionada com biovidros. São vidros que são implantados no corpo humano para substituir ossos e dentes. Eles se ligam automaticamente aos ossos e às cartilagens, sublinha Zanotto. Essa é uma área que começou em 1970. No último congresso sobre essa temática estavam quatro mil participantes. Então tem áreas muito quentes, como, por exemplo, baterias no estado sólido. Por exemplo, as baterias do celular, que atualmente duram um dia, agora a meta é que elas durem uma semana e logo mais um mês. São baterias no estado sólido, de alta capacidade de armazenamento e um dos materiais estudados para utilizar como eletrólito é o vidro. São vidros de altíssima condutividade iônica.

As perspectivas para o futuro nesta área estão focadas na reciclagem, algo que é uma característica muito importante. Hoje, fala-se muito em meio ambiente, em carbon footprint etc., atendendo até que o vidro é um material facilmente reciclado, bastando apenas fundir. Quebrou, sujou, não tem importância: você põe numa forma, refunde e dá outra forma. É forever. O vidro não se degrada como os plásticos e mantém todas as propriedades. Você só não pode misturar cores. Mas, havendo um sistema seletivo de coleta de vidro, é possível reciclar e o curso do vidro reciclado é uma pequena fração de um vidro novo – de vidro virgem, e as propriedades são idênticas. Então, reciclagem é uma palavra muito importante em todas as engenharias e o vidro é o material mais reciclável que existe entre todos os materiais. Então, isso é forte. Reciclagem de vidro é muito forte, muito importante, acrescenta Zanotto

Contudo, é nos materiais vitrocerâmicos que a atenção dos cientistas está mais concentrada, por conterem partículas cristalinas magnéticas dentro, para hipertermia de câncer, por exemplo. Pode-se implantar um vidro desses numa pessoa que tem um tumor cancerígeno, aí vem com um campo magnético externo alternado e aquece apenas esse local onde tem aquela partícula, sem danificar o resto dos tecidos. De fato, cancer hyperthermia são vidros especiais – são vitrocerâmicos -, vidros que foram parcialmente cristalizados e as fases cristalinas têm perdas magnéticas interessantes que elevam a temperatura até 42 graus – não mais do que 42 graus, porque senão mata as células boas também. Então tem muita coisa sendo pesquisada e o futuro é promissor, conclui o Prof. Edgar Zanotto.

(Rui Sintra – jornalista)

16 de março de 2018

Geografia e História… do Universo!

Em mais uma edição do programa “Ciência às 19 Horas”, o Auditório Prof. Sérgio Mascarenhas (IFSC-USP) foi o palco para mais uma palestra que ocorreu no dia 29 de abril último, onde o PrProf. Dr. Raul Abramo, docente e pesquisador do Instituto de Física (IFUSP) e do NAP LabCosmos / Universidade de São Paulo, discorreu sobre o tema Geografia e História… do Universo.

No início, há 14,3 bilhões de anos, o universo estava num estado totalmente caótico. Ao longo do tempo, a força da gravidade foi estabelecendo uma ordem, que atualmente se manifesta por meio de inúmeras galáxias, estrelas, planetas e assim por diante.

Hoje, sabemos que o nosso sistema solar é apenas um entre bilhões de sistemas planetários semelhantes na nossa galáxia (a Via Láctea) e também sabemos que essa Via Láctea é apenas uma entre uma infinidade de galáxias no universo.

O Prof. Dr. Raul Abramo, do Instituto de Física da USP (IFUSP) é um pesquisador que, quando possível, explana, através de palestras dedicadas ao público em geral, o panorama daquilo que ele considera ser a diversidade “ecológica” do universo, utilizando uma espécie de breve excursão pelo zoológico de objetos astronômicos, tais como estrelas canibais, buracos negros supermassivos e enxames de galáxias, abordando, igualmente, os principais mistérios da cosmologia na atualidade, que são as misteriosas substâncias conhecidas como matéria escura e energia escura.

Em entrevista a Raul Abramo, um pouco antes de sua palestra no nosso Instituto, quisemos aprofundar um pouco daquilo que ele chama de diversidade ecológica do Universo, que, segundo o pesquisador, é um panorama pouco familiar para a maioria da população, já que ela está mais acostumada a assistir a programas relacionados com a natureza da Terra – do seu próprio planeta – e a entender um pouco mais das particularidades terrenas, como, por exemplo, do deserto do Saara ou do fundo dos oceanos. Abramo salienta que para poderem ter uma visão do Universo, as pessoas precisam estar preparadas para terem uma visão mais abrangente e completa do lugar comum: existem escalas de tempo e de tamanho diferentes, objetos diferentes, enfim, tudo é diferente: As pessoas não têm noção de qual é a dimensão e nem o que vive na dimensão do Universo, o que as coisas estão fazendo, qual a dinâmica daquilo que está acontecendo, como é que os objetos evoluem… Assim como você tem um ambiente que lhe é familiar – o do nosso planeta Terra, onde as coisas nascem, crescem, morrem e são substituídas por outras -,o mesmo acontece no universo, só que em uma escala quase que incompreensivelmente maior, sublinha o pesquisador.

Contudo, o curioso é que a forma como os cientistas observam o universo – de maneira muito particular -, contempla a história no tempo e a história no espaço, que estão misturadas; ou seja, as duas são uma única coisa, exatamente porque eles veem o Universo de forma muito particular, porque ao mesmo tempo em que existem limites, aqui na Terra, eles por outro lado recebem milhões de informações que chegam ininterruptamente, vindas dos confins do universo.

Por exemplo, as galáxias, que mostram como sua distribuição no Universo é particular, guardando uma espécie de memória de como o universo começou, numa espécie de sopa primordial, ou seja, de uma forma muito caótica. Podemos perguntar como é que, em cerca de 15 bilhões de anos, o Universo conseguiu arrumar tudo? De fato, quem fez isso e quem continua a fazer é a própria força da gravidade, cuja teoria moderna sobre esse tema está comemorando cem anos. A história sobre como essa sopa primordial – uma ótima expressão inventada pelo russo George Ganov -, como esse caos começou: Essa história gerou tudo o que está aí, com a constatação de que há uma diversidade absurda, comparativamente à da Terra. O universo tem infinitas outras terras com essa diversidade e tudo isso nasceu de um estado caótico, mas ao mesmo tempo extremamente simples, pontua o pesquisador.

Bilhões de sistemas planetários semelhantes à nossa galáxia é uma grandeza que não dá para imaginar e é difícil de entender, embora a utilização da termo bilhões seja uma conjectura, já que o horizonte mais real poderá ser o infinito. Até onde se sabe, o Universo é infinito no espaço, mas, por outro lado, ele não é infinito no tempo, o que significa dizer que a geografia do Universo pode ser infinitivamente diversa, mas a história dele não, sendo quase certo que ela tem pouco mais de 14 bilhões de anos. Segundo Abramo, não há um fim previsto para o Universo. Não há nenhuma indicação de que o Universo vá terminar com uma explosão ou implosão. Só na nossa galáxia deve haver milhões de terras; imagina nos outros bilhões e bilhões de galáxias que já conhecemos, imagina, ainda, nos outros muitos bilhões que ainda não vimos, mas que iremos ver um dia, e nos possíveis bilhões que nunca chegaremos a ver, diz Raul Abramo.

Já no quesito de matéria escura e energia escura, o cientista da USP afirma que pouco há a dizer sobre elas, até porque pouco se sabe. Os átomos – a matéria normal – representa apenas 4% de tudo o que existe no Universo, sendo que os 96% restantes são formas de matéria e de energia que se desconhecem por completo. Na teoria atual que descreve o Universo existem indicações muito fortes de que estão faltando muitas coisas, enquanto muitas pessoas afirmam que nossa teoria está errada.

Para Abramo, ambas as hipóteses são possibilidades interessantes de se considerar, porque falta uma teoria melhor e, claro, muita observação. Para você ter uma ideia, foi só nos últimos dez anos que conseguimos avançar consideravelmente, com profundidade, no conhecimento dessa geografia do universo. Na verdade, há muito tempo que sabemos que o universo se expande, que teve um início muito quente e denso há alguns bilhões de anos, mas, em detalhe, só nos últimos dez anos é que tivemos constatações claras. Então, é muito recente esse conhecimento detalhado sobre o universo. A grande diferença não foi do lado teórico, mas sim do lado das observações, graças aos avanços da tecnologia, pois sem isso não estaríamos com um monte de dados, observações e descobertas, inclusive com a descoberta de que o universo está se expandindo de maneira acelerada. Então, tem tudo a descobrir ainda. Essa imagem não está terminada. Ainda temos tudo para fazer, enfatiza o pesquisador.

O avanço das observações do Universo está diretamente relacionado com o lançamento do telescópio Hubble, que está completando 25 anos de atividade, mas em termos de cosmologia o seu papel foi limitado. Ele foi importante porque forneceu imagens maravilhosas e detectou objetos com uma precisão nunca antes conseguida, mas, para conhecer a grande escala do cosmos, é necessário ter outros tipos de instrumentos, conforme exemplifica Abramo. Se você segurar uma moeda de dez centavos com a ‘cara’ a um metro, o pingo do ‘i’ corresponde ao tamanho do campo de visão do Hubble. Então, o Hubble pode muito bem permitir conhecer uma região muito pequena, onde tem uma, duas ou algumas galáxias muito localizadas, enquanto que para conhecer o cosmos a gente precisa observar grandes áreas do céu. Então, necessitamos de outros tipos de telescópios, que já começaram a ser construídos nos últimos quinze anos e que cada vez mais estão se tornando importantes.

O Chile é o lugar onde existe, atualmente, um maior número de telescópios. Tem outros países que também possuem telescópios com a característica de conseguir mapear grandes volumes do universo rapidamente e isso permitiu grandes avanços. O Brasil tem várias iniciativas, como, por exemplo, o ESO, o GMT, que é um telescópio gigante, bem como em outros vários levantamentos do cosmos, que permitiu ao nosso país participar desses grandes experimentos e observações do universo que estão acontecendo agora.

Vamos aguardar um pouco mais, para ver até onde a pesquisa do Universo nos pode levar e quais as novas fronteiras que estão por descobrir.

(Rui Sintra – jornalista)

16 de março de 2018

Porque os pesquisadores não são anjos e qual é a controvérsia?

O público em geral idealiza os cientistas como se fossem extraterrestres, ou ratos de laboratório, com pouco contato com o mundo exterior. Um estereotipo que não coincide com a verdade, já que eles são de carne e osso como todo o mundo, com seus defeitos e virtudes, vícios e manias. Foi devido a alguns desses mitos que o programa Ciência às 19 Horas, recebeu, no dia 7 de outubro, o Prof. Dr. Roberto de Andrade Martins, docente e pesquisador da Universidade Estadual da Paraíba, que apresentou a palestra intitulada Pesquisadores não são anjos: uma controvérsia científica do Século XIII com Maupertuis, Voltaire, Euler e o rei Fréderic II, um tema que, de interpretação lata, continua atual, já que apresenta um aspecto extremamente humano da pesquisa científica. Ou seja, a história de pessoas que, embora distantes centenas de anos, lutam por sua reafirmação, lutam pelo poder, fazendo coisas que às vezes não são muito corretas do ponto de vista acadêmico, como copiando ideias dos outros e utilizando a falta de ética, por exemplo.

Na história apresentada por Roberto Martins, o pesquisador mais importante envolvido nela é Maupertuis, cientista francês que propôs o princípio de ação mínima na área da física, que na atualidade é um dos princípios básicos da área, sendo usado na física clássica e também na moderna – relatividade, teoria quântica, etc.: ou seja, é considerado como um dos princípios mais importantes da física. Quando Maupertuis apresentou esse princípio, propôs uma ideia e escolheu alguns exemplos para aplicá-la, tendo forçado bastante a situação, por forma a que os seus princípios dessem certo. Não foi o primeiro cientista que já apresenta algo pronto. Na verdade, o princípio que ele propôs estava errado, tendo sido posteriormente discutido por pesquisadores importantes, como d’Alembert, que apontou uma falha importante que invalidava a generalização que Maupertuis fazia na época, elucida Roberto Martins.

De fato, a atitude de Maupertuis era discutir algumas das críticas que dirigiam a ele, fingindo não ouvir outras, como as do d’Alembert, que eram irrespondíveis. Maupertuis estava se baseando em ideias de outras pessoas que ele não cita. Na época em que defendia esse princípio, Maupertuis era presidente da Academia de Ciências da Prússia, em Berlim, e o Leonhard Eules, que era suíço, estava também na Academia, sendo subordinado a ele. Na verdade, Euler já tinha desenvolvido uma versão muito melhor desse princípio, mesmo antes de Maupertuis, que citava o trabalho de Euler como sendo uma aplicação do seu próprio trabalho: e Euler concordava com essa situação, já que ele não podia desagradar o presidente da Academia, explica Roberto Martins. A sequência dessa história relata que após essa situação, o matemático Samuel Köenig, que inicialmente era amigo de Maupertuis, visitou-o em Berlim, manifestando sua discordância com o princípio, mostrando ao amigo um rascunho de um artigo que ele queria publicar, criticando seu trabalho, questionando-o se ele se ofenderia com essa publicação. Não temos uma documentação muito clara sobre isso, mas, aparentemente, no dia seguinte a esse encontro com Köenig, Maupertuis devolveu o manuscrito a ele, alegando que poderia publicar o que quisesse. Samuel Köenig publicou a citada crítica, que teve uma repercussão enorme na comunidade acadêmica, inclusive, porque ele mostrou que o Leibniz havia proposto, há anos, um princípio mais geral e mais correto do que o inventado por Maupertuis, pontua o pesquisador. Conta a história que Maupertuis se enfureceu e resolveu destruir a reputação e a imagem de Köenig, que não tinha uma situação acadêmica tão confortável, pedindo, inclusive, que academia o julgasse, o que acabou por acontecer. Como resultado, Köenig foi humilhado e ridicularizado, como se ele tivesse falsificado documentos de Leibniz, o que não foi verdade, iniciando-se aí uma situação que polarizou os pesquisadores na época, com um lado a se posicionar contra e outro a defender Köenig.

Foi nesse momento que Voltaire entra na história. Amigo muito próximo de Köenig e Maupertuis, Voltaire estava em Berlim naquela época e resolve apoiar Köenig, publicando panfletos anônimos satíricos ridicularizando Maupertuis, criando, assim, um escândalo geral, o que provoca a entrada do Rei no confronto ideológico. Frederico e Voltaire eram amigos muito íntimos, mas Frederico interpretou o ato de seu amigo como um abuso desmedido, já que ele estava atacando o presidente da Academia. Frederico adverte seu amigo, pedindo para que ele sumisse com os panfletos e parasse com as ações, mas Voltaire continua, dessa vez enviando os citados panfletos para fora da Prússia, o que irritou profundamente o Rei, obrigando o mesmo a ordenar que os panfletos fossem imediatamente recolhidos e queimados em praça pública, pelo carrasco real. Finalmente, Voltaire se deu conta que o Rei falava sério e que sua vida poderia ficar em perigo. Impedido de sair da Prússia, por ordem do Rei, Voltaire acabou preso em uma cidade limítrofe e foi encarcerado durante várias semanas, acabando por se refugiar na Suíça, onde acabou por morrer. Apesar de tudo, Voltaire tinha conseguido ridicularizar tanto o Maupertuis, que ele conseguiu ser motivo de zombaria em toda a Europa toda, nunca tendo se libertado disso, fato que o afastou definitivamente da ciência.

O que aconteceu com Eule

Eule sempre foi um matemático muito importante, publicava muito, mas nunca quis não se envolver nas discussões e na confusão que acabamos de relatar acima. Contudo, ele acabou por apoiar Mauterpuis e, inclusive, preparou o dossiê de acusações contra Köenig, defendendo que ele era um falsário. Eule fez todo o jogo de Mauterpuis, e quando este ficou doente, incapacitado de continuar como presidente da Academia, provavelmente Eule acreditou que seria o próximo presidente, pelo fato de ser o braço direito de Mauterpuis, mas isso não aconteceu. Eule acabou se dando mal lá e partiu para a Rússia. Todo mundo acabou mal. O Rei Frederico também acabou mal porque, no fim, perdeu Voltaire, que era considerado a pessoa mais importante da vida dele, que inclusive era considerado o ponto de referência e cultural do Rei, todos se deram mal, complementa o pesquisador. A questão dos interesses pessoais se sobreporem aos interesses científicos e prejudicarem o trabalho científico são as duas lições mais importantes, segundo Roberto Martins. Ao invés de as pessoas estarem realmente querendo saber se tal ideia é correta ou não, se existem limitações, ou não tem, tem vezes que os egos e os interesses ficam acima disso. No caso de Euler, não era bem seu ego, era o interesse de manter a posição dele e receber atenção na academia de ciências. O Rei também não queria a verdade, só queria apoiar politicamente o presidente, entre outras coisas. Será que Voltaire queria a verdade? Provavelmente, também não, já que o seu principal foco era desmascarar Maupertuis, finaliza Roberto Martins, acrescentando que na atualidade, não é raro acontecerem episódios semelhantes.

(Rui Sintra – jornalista)

16 de março de 2018

O Nascimento do Universo

Sempre bem humorado, permanentemente disponível, focado na sua áurea de conhecimento: estes são três dos predicados que conseguimos detectar, de forma espontânea, do perfil do Prof. Dr. Héctor Vucetich, docente aposentado e pesquisador da Faculdad de Ciencias Astronómicas e Geofísicas da Universidad Nacional de La Plata – Argentina, palestrante convidado de mais uma sessão do programa Ciência às 19 Horas, evento que ocorreu no dia 21 de maio, pelas 19 Horas, no Auditório Prof. Sérgio Mascarenhas (IFSC), que se encontrava completamente lotado.

O tema proposto para esta edição do programa Ciência às 19 Horas atraiu muita gente interessada em saber um pouco mais sobre os mistérios de tudo aquilo que nos rodeia: a palestra de Vucetich – “O Nascimento do Universo” – abordou as diversas formas como o Homem, desde a Antiguidade, vem tentando conhecer a estrutura e a história do Universo, inclusive influenciado, algumas vezes, por vários mitos cosmológicos, sempre na tentativa de obter mais explicações.

O Prof. Héctor afirma, em seu resumo referente à palestra, que o próprio Homem desenvolveu, na atualidade, seu próprio mito – o Big-Bang -, só que desta vez baseado nas leis da física.

Na Antiguidade, a influência dos deuses sobre tudo o que rodeava o ser humano, dos comportamentos aos seus pensamentos, terá sido o mote para que o Homem tentasse explicar aquilo que, para ele, era de todo inexplicável: e o Universo era um dos cenários onde residia essa influência divina, era o lar do divino. Para Vucetich, a própria cultura Azteca comprova essa influência.

Foi a partir da civilização grega que o Homem iniciou as suas indagações racionais sobre o Universo – sobre o céu: Há fortes indícios que os gregos pensavam que o Universo sempre teria existido da mesma forma como eles o viam, sem qualquer alteração, um conceito que coincide com a filosofia cristã, até porque na Bíblia se pode ler que Deus criou o Universo em sete dias. E aí, claro, começaram a aparecer as perguntas: Mas, quando é que o Universo foi criado? Qual foi a data? “A partir de Galileu, o Homem começou a querer saber a verdadeira história do Universo e, a partir desse momento, começou a descobrir que essa história estava intimamente ligada às leis da física, às leis da natureza, ou seja, indelevelmente ligada a conceitos científicos que passaram a ser estudados em laboratórios”, comenta o pesquisador.

Para Vucetich, o “Big-Bang” se parece mais com um mito científico, até porque, para o palestrante, um mito nada é do que uma história que versa tempos remotos, antigos, cujos protagonistas são sempre individualidades prestigiosas, mas distantes do conceito real. Assim, Vucetich considera que as leis da natureza, que supostamente serão as protagonistas do “Big-Bang”, embora prestigiosas elas são distantes do panorama real: “Considero o “Big-Bang” um mito científico: para outros, talvez seja um mito literário”, refere o palestrante.

Em face de este ponto de vista de Héctor Vucetich, a dúvida permanece: então, de que forma é que o Universo foi formado? Segundo a opinião do pesquisador, o Universo nasceu graças à existência de minúsculas partículas, totalmente insignificantes, que foram se expandindo ao longo de milhares de milhões de anos, até chegarem ao ponto em que as conhecemos hoje, e aí as leis da natureza foram-lhes dando forma. Para Vucetich, isto é o que a teoria moderna e as consequentes observações têm demonstrado até hoje.

Para Héctor Vucetich, como em tudo na vida, todo esse trabalho tem tido êxitos e insucessos: “Os principais êxitos que podemos referir com muita exatidão, já que, para os atingir, a complexidade dos trabalhos foi alta, são os inúmeros fenômenos e acontecimentos espetaculares que se observam diariamente no Universo e que são a base do nosso estudo e da evolução de nosso conhecimento”, pontua Héctor. Por outro lado, o pesquisador refere que o principal fracasso é o fato de os cientistas ainda não terem algo que possa ser observado e testado em laboratório, por forma a aumentar e refinar o conhecimento: “Ainda não conseguimos inventar uma substância com propriedades raras, por forma a escrever e a complementar, até a completar, a descrição do Universo”, salienta o professor. Com a evolução científica e tecnológica, havia indícios de que se pudesse avançar mais no conhecimento do Universo, mas isso não tem ocorrido de forma veloz. Apenas 5% do Universo é conhecido, ou seja, 95% do que nos rodeia está por descobrir, em termos de sua composição, o que, para Vucetich, é um verdadeiro fracasso: “Sim, é um fracasso! Sucesso seria você compreender tudo aquilo que vê, entender e explorar todas as substâncias que, para nós, são completamente misteriosas”, refere Vucetich.

Tendo como uma de suas paixões a vida e morte dos asteroides, não resistimos a abordar esse tema, até com base no que ocorreu há alguns meses atrás, quando um asteroide caiu no Leste da Europa. Afinal, estamos ou não na rota de colisão de asteroides? Existem perigos não revelados? Vucetich sorri e afirma que pequenos asteroides são facilmente detectados e todos eles poderiam ser um perigo para nosso planeta, mas, contudo, o seu número é muito reduzido e cada vez que aparece um é imediatamente monitorada sua trajetória. O perigo maior vem de asteroides chamados “escuros”, que só são detectados quando estão muito perto do nosso planeta: “Esse tipo de asteroide ainda está sendo estudado”, refere Vucetich.

O curioso, neste tema, é que na maior parte das vezes Júpiter protege o nosso planeta desses asteroides que vêm de fora. Júpiter é tão grande, que “suga” grande parte desses asteroides, que acabam por se chocar contra ele. Segundo nosso entrevistado, a probabilidade de um desses asteroides colidir com a Terra é extremamente baixa, o que não quer dizer que não possa acontecer: “É um problema muito complexo que está sendo estudado pela NASA e pela European Space Agency”, completa Héctor Vucetich.

(Rui Sintra – jornalista)

16 de março de 2018

Candido Portinari: Do Cafezal à ONU

O dia 19 de março do corrente ano ficou marcado por mais uma edição do programa Ciência às 19 Horas, uma iniciativa que decorreu, como habitualmente, no Auditório Prof. Sergio Mascarenhas, no IFSC, tendo como palestrante o Prof. João Candido Portinari, docente da Pontifica Universidade Católica do Rio de Janeiro e, simultaneamente, fundador e diretor – geral do Projeto Portinari, que desenvolveu o tema intitulado Candido Portinari: Do Cafezal à ONU.

Sair pelo mundo, divulgando o trabalho de um dos maiores artistas plásticos nacionais, não é fácil, tendo em conta, até, que esse périplo já dura há cerca de trinta e quatro consecutivos e que a primeira palestra proferida por João Candido Portinari data de 1980, como explica o palestrante: Na época, eu não tinha as imagens e não tinha sido feito o levantamento da obra; tínhamos poucas coisas e os equipamentos eram antidiluvianos para os parâmetros atuais. Só para se ter uma ideia, eu levava comigo catorze malas, com projetores de slides, torres etc. Eu tinha uma  picape e, então, colocava todo esse equipamento lá e ia dirigindo do Rio de Janeiro a Porto Alegre. E foi assim que percorri o Brasil inteiro dessa forma. Essa foi a primeira face do Projeto Portinari. Não havia outra maneira de conhecer o Projeto se não fosse dessa forma. E, naturalmente, em cada lugar que eu ia, sempre haviam jornalistas interessados em bater um papo para, depois, serem publicadas matérias, e foi assim que as pessoas, o público, passou a ter conhecimento do projeto. A sensação que tenho é de orgulho muito grande, sinto-me orgulhoso, sem falsa modéstia, sabe? Toda a minha equipe faz um trabalho muito grande.

Quando João Candido Portinari fala de sua equipe, sempre se manifesta na sua expressão um semblante sério; isso porque, segundo o nosso entrevistado, o Projeto Portinari esteve algumas vezes em risco – na UTI, como ele próprio afirmou. Principalmente por questões financeiras, sempre João Portinari sempre lutou com muita dificuldade e, por isso, sua equipe nunca teve um número certo de colaboradores, até porque as pessoas sentiam-se inseguras do ponto de vista financeiro:“O máximo de pessoas que eu consegui ter foi o que tenho agora, porque o projeto “Guerra e Paz” tem uma logística muito complexa e exige uma equipe muito maior. Hoje, temos cerca de treze pessoas colaborando, mas tempos houve em que apenas consegui ter seis ou sete. O Projeto Portinari nasceu na universidade e foi criado na universidade – algo raro para projetos culturais. Projetos culturais, no Brasil, por alguma razão que não sei explicar, estão longe das universidades: só que nós não estamos longe delas. Nós nascemos nos departamentos de ciência e tecnologia: por exemplo, eu era da matemática. Então, foi muito importante esse convívio com colegas da física, da informática, da matemática e de outras áreas do conhecimento, porque deu ao Projeto a oportunidade de trazer inovação para sua execução, praticamente na hora em que a inovação estava sendo feita. Quando você está na universidade, você passa o dia todo com os colegas e quando olha para o lado você está sentado ao lado de algum deles e pergunta, “o que você está fazendo?”; e ele responde: “eu descobri uma coisa para tratar imagens, fazer o processamento de imagens...

Contudo, o Projeto Portinari conseguiu beneficiar-se do desenvolvimento da ciência e tecnologia nestes últimos trinta anos e, se fizermos uma pequena reflexão, o certo é que o Projeto tem a mesma idade que a indústria de microcomputadores. Quando tudo começou não existia escâner, base de dados, microcomputador, enfim, era tudo na mão; as fotos que se batiam eram de filme, slides, e então seus responsáveis percorriam o mundo inteiro fotografando a obra do Portinari e o que resultou disso foi o único registro visual colorido da obra dele em slides, que sabemos que são perecíveis e que vão se estragando, irremediavelmente: Ficávamos em pânico ao pensar de como poderíamos preservar aquilo: só que a ciência e tecnologia trouxeram a resposta, que é a digitalização em alta resolução, o tratamento cromático, compactação,… Todas as técnicas de tratamento de imagens foram necessárias. Um dos grandes problemas era como levar a obra do Portinari para todos, em qualquer lugar no mundo, e aí… surge a internet. Como íamos imaginar que ia surgir a internet quando começamos? – refere nosso entervistado.

Desde o início do Projeto Portinari, foram levantadas mais de cinco mil obras, percorreram-se mais de vinte países da Europa, Oriente médio, das três Américas, visitando obras e proprietários, fotografando obras, pegando informações. E, nesse longo caminho conseguiu-se levantar, também, cerca de trinta mil documentos, entre eles, por exemplo, seis mil cartas que Portinari trocou com os grandes expoentes de sua geração, como Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade, Oscar Niemeyer, Vila Lobos, Mário de Andrade, e esse fato não é tão conhecido assim: ele, além de pintor, conviveu intensamente com sua geração, com abundantes trocas de ideias e de opiniões sobre os mais variados temas, principalmente relativas a preocupações de âmbito estético, artístico, cultural, social e político: tudo isso estão refletido nessas cartas.

A divulgação dessas cartas vai muito além do que todos nós possamos imaginar, como refere João Portinari: Essa divulgação vai muito além de Portinari, até porque essas cartas nos revelam como era o Brasil nessa época, o que aquela gente pensava a respeito de seu país, quais eram os caminhos estéticos, políticos, sociais, tudo. Então, além das seis mil cartas, existem ainda doze mil periódicos de jornais e revistas, de 1920 até hoje. Fizemos um programa que entrevistou setenta e quatro contemporâneos de Portinari, resultando em cento e trinta horas de gravação que, agora, estudantes e pesquisadores descobriram e estão começando a tirar benefícios disso. Temos também cinco mil obras – não as originais, mas o documento do levantamento -, que se traduzem em todas as informações que conseguimos recolher, mais as imagens, coloridas e em preto e branco. Temos mais de mil e duzentas fotografias de época, monografias, textos avulsos, cartazes,… Temos muitas coisas do que chamamos de “memorabília”. Todo esse acervo foi o responsável pelo grande passo que demos agora, ao lançar o Portal Portinari. Tínhamos o site, mas ele não tinha uma interface muito amigável. Para uma criança da rede escolar, por exemplo, ou para um professor, não era muito amigável. Isso agora é diferente e está fazendo o maior sucesso entre as crianças.

As pessoas dizem que o Brasil não tem memória, que as pessoas não dão valor à cultura. Contudo, o nosso entrevistado desmistifica a frase, salientando que o Projeto Portinari teve a devida solidariedade da sociedade brasileira: Não importa a cor política da pessoa, não importa nada. Nós tivemos essa solidariedade de todos os setores da vida brasileira. Vou dar três exemplos, só para se ver a loucura que foi isso. Uma grande empresa de transportes aéreos, que era a Varig, durante décadas deu as passagens de graça para pesquisador e fotógrafo percorrerem o Brasil inteiro fotografando as obras. Eu duvido que a Airfrance ou a Panamerica fizessem isso em prol da memória de um artista europeu ou americano. Nunca ouvi falar de nada igual. E não somente a Varig fez isso, como também enviou telex para todas as agências Varig do mundo inteiro, pedindo que em cada lugar a agência Varig funcionasse quase como uma sucursal do Projeto Portinari, e identificasse quem tinha obras ou qualquer documento sobre Portinari, mandando organizar a logística das visitas e todo o apoio indispensável. O Ministério das Relações Exteriores mandou uma circular para todas as missões diplomáticas brasileiras no mundo inteiro, pedindo, também, que cada local apoiasse o Projeto. Isso foi valiosíssimos para nós! E o terceiro exemplo veio da maior rede de televisão do país – Rede Globo – que, com o apoio da Fundação Roberto Marinho, fez uma campanha de chamadas nacionais e regionais, em todos os horários, inclusive nobres, que durou quase quatro anos, pedindo que, se qualquer pessoa tivesse qualquer documento sobre Portinari, que entrasse em contato conosco. Os Correios nos deram a caixa-postal 500, um número fácil de lembrar. Essa caixa-postal recebeu mais de três mil cartas do Brasil inteiro. Isso tudo aconteceu há trinta anos. Então, o brasileiro, quando acredita em algo, mobiliza-se; eu acho que todos eles acreditaram no Projeto Portinari, pois estamos falando de um artista muito amado, que diz algo fundo na alma dos brasileiros, pois todos sabem que ele retratou o Brasil, o brasileiro, a alma do país, e de uma maneira muito autêntica, crítica e emocionada de todos os aspectos do país. Eu acho que não se conhece no mundo inteiro nenhum pintor que tenha pintado mais um país do que Portinari pintou o seu. Portinari pintou os temas sociais, os temas históricos, religiosos, o trabalho no campo e na cidade, a infância, os tipos populares, a festa popular, os mitos, a fauna, a flora e a paisagem, ou seja, ele fez um grande retrato de uma nação. Isso é uma coisa que o Brasil agora está começando a ter: uma autoestima muito maior do que tinha no passado, quando achávamos que tudo que vinha de fora era melhor do que o nosso. E agora isso está mudando: estava na hora de mudar…

O Projeto Portinari está aí, para que todos o possam conhecer e transmitir seus valores, principalmente os jovens, e essencialmente nas escolas. João Candido Portinari rematou esta entrevista com uma frase profunda proferida pelo eterno compositor polaco Frédéric François Chopin, que ilustra a sensibilidade e devoção do nosso convidado do Ciências às 19 Horas:

A arte é o espelho da pátria. O país que não preserva seus valores culturais jamais verá a imagem da sua própria alma. Se você não vir a imagem da sua própria alma, você não se conhece e, você não se conhecendo, você não pode ir a lugar nenhum.

 Entrevista: Tatiana Zanon – Edição: Rui Sintra (jornalista)

16 de março de 2018

Prof. Carlos Farina de Souza fala sobre a vida e obra do cientista holandês Christiaan Huygens

A edição de junho do programa “Ciência às 19 Horas”, organizado mensalmente pelo IFSC, convidou o Prof. Dr. Carlos Farina de Souza, docente do Instituto de Física da UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro, para falar da vida e obra do matemático, físico e astrônomo holandês, Christiaan Huygens, um dos mais proeminentes cientistas do Século XVII. A palestra de Carlos Farina de Souza realizou-se no dia 19 de junho, pelas 19 horas, no Auditório Prof. Sérgio Mascarenhas (IFSC-USP) e foi subordinada ao tema “Christiaan Huygens, a Helena da geometria e o tempo aprisionado”.

Nascido em berço de ouro, no ano de 1629, na Holanda, Christiaan Huygens cresceu no seio de sua família abastada, sempre rodeado de inúmeras personalidades influentes na área científica, social e política, o que terá contribuído para que se tornasse uma das maiores figuras nas áreas da matemática, astronomia e física, tendo, inclusive, desenvolvido novos conceitos que viriam a ser utilizados para uma melhor observação do céu, através dos telescópios.

Embora não tenha sido o percursor do telescópio, Galileu conseguiu observar coisas incríveis no céu e percebeu que aquilo que parecia perfeito, à primeira vista, afinal não era: o Sol tinha uma enorme mancha escura, a Lua afinal não tinha uma superfície lisa, Júpiter tinha luas em seu redor, etc. Por seu turno, Huygens tentou, então, criar telescópios com maior alcance e precisão, por forma a descobrir coisas que Galileu não tinha condições de fazer. Desta forma, Huygens dedicou-se a matematizar a Natureza e, com seu trabalho, se tornou – talvez – no primeiro físico-matemático da história, tentando responder a qualquer questão que se apresentasse em forma de enigma; o intuito dele era responder às questões deixadas por terceiros e sempre apelava à matemática como a linguagem privilegiada para dar resposta a essas questões existentes na sua época.

Huygens criou coisas tão fantásticas, que mesmo hoje, ao se rastrear os primórdios de determinados temas, vê-se que existe a semente de Huygens, como explica o Prof. Farina de Souza: É verdade. Por exemplo, o caso das tangentes e curvas que ele chamou de evolutas e involutas, e que deram origem à atual geometria diferencial. Várias coisas começaram com ele, sempre na tentativa de responder a problemas físicos, utilizando a matemática.

Huygens também se destacou na astronomia, principalmente devido ao fato de ter desvendado o mistério de Saturno. De fato, no Século XVII ninguém conseguia entender ou explicar o que acontecia com aquele planeta, que apresentava diversas formas ao longo do tempo. Galileu chegou a pensar que a mudança de forma poderia estar relacionada com a existência de um sistema de três estrelas, mas, de fato, seu telescópio não tinha uma resolução eficaz para fazer uma observação mais pormenorizada. Então, Huygens consegue perceber, pela primeira vez, que ao redor de Saturno existia um anel que não tocava no planeta e isso causou uma verdadeira surpresa na comunidade acadêmica mundial. Huygens explicou, então, que de acordo com o movimento do planeta, a projeção do anel sofria variações angulares. Contudo, todo esse trabalho do cientista holandês demorou anos para se concretizar, por forma a ter a plena certeza de sua descoberta.

Porém, Huygens é essencialmente um físico-matemático e durante cerca de quatro décadas de sua vida ele tentou aprimorar relógios e cronômetros marítimos, que era algo bastante importante para a época, atribuindo-se a ele o primeiro relógio de pêndulo, que, inclusive, originou uma patente. Contudo a maior obra do cientista holandês foi o Horologium Oscillatorium, conforme explica o Prof. Farina de Souza: Sim, essa foi a maior obra de Huygens. O Horologium Oscillatorium é um trabalho que foi publicado em 1673 e embora o nome sugira que seja apenas um tratado sobre relógios, o certo é que esse trabalho é muito mais que isso, já que essa obra contém cinco partes, em que uma delas é uma descrição de relógio, enquanto que na maior parte das outras áreas são descritas as tais definições evolutas e involutas. Huygens generaliza resultados de Galileu no movimento de partículas sobre superfícies curvas, e praticamente ele enuncia, pela primeira vez, a conservação da energia mecânica. Nesse trabalho, o cientista holandês conclui uma conta realizada por Galileu relacionada a força centrífuga, além de, igualmente pela primeira vez, falar do momento de inércia, que é um fator importante no contexto do movimento de rotação, já que não bastava saber qual era a massa do corpo, mas também saber como essa massa estava distribuída. E, nesta particularidade, Huygens queria analisar um relógio de pêndulo, sabendo que o cordão desse pêndulo possuía massa e que essa massa não estava apenas concentrada na esfera de metal. Esse raciocínio demonstra que Huygens sempre se baseava em um problema de física para ir mais além e realmente este trabalho Horologium Oscillatorium é verdadeiramente espetacular – comenta nosso entrevistado.

Sendo uma figura proeminente na ciência mundial, Huygens é devidamente estudado pelos jovens estudantes brasileiros? A esta pergunta, Farina de Souza responde, sim. E a afirmativa vem exemplificada através do denominado “Princípio de Huygens”, que aparece em um tratado de óptica chamado “Tratado da Luz”, que é, segundo o nosso entrevistado, uma obra-prima: Todos os estudantes do ensino médio já ouviram falar desse princípio, porque ele afirma que quando você tem uma frente de onda – por exemplo, gerada por uma pedra que é jogada num lago -, para saber a frente de onda, no instante posterior, você imagina que cada ponto de uma frente de onda é fonte de uma onda secundária e a envoltória das diversas ondas secundárias corresponde à frente de onda no instante posterior. Então, esse é um princípio qualitativo em que você consegue explicar várias coisas – lei da reflexão. lei da refração, etc. No ensino médio, tudo que se sabe sobre Huygens se resume a esse princípio, mas ele é muito mais que isso. Huygens poderá não ser tão conhecido, ou seu nome não constituir grande impacto, principalmente porqaue ele ficou um pouco ofuscado pelo genial Newton, cuja diferença de idade era de treze anos apenas. Contudo, Huygens é um dos maiores cientistas do Século XVII e o próprio Newtos nutria por ele forte admiração – pontua Farina de Souza.

Na divulgação desta palestra do Prof. Farina de Souza, é referido que uma dor de dente do filósofo, matemático e físico francês, Blaise Pascal, mudou o curso da história, levando Huygens a construir o primeiro pêndulo isócrono. Com um sorriso largo no rosto, Farina de Souza afirmou que esse parágrafo apenas constituía uma forma de criar curiosidade no auditório. De fato, segundo explicou nosso entrevistado, o pêndulo isócrono é um pêndulo que tem um período de movimento independente de sua amplitude de oscilação, ou seja, quando se solta – seja de que forma for – ele tem sempre o mesmo período, o que não acontece com um pêndulo normal, que é isócrono apenas para pequenas amplitudes de oscilação. Huygens sabia que havia necessidade de colocar obstáculos laterais, encostando o fio do pêndulo, porque conforme o pêndulo vai oscilando, o fio vai encostando-se a esses obstáculos – é como se o pêndulo ficasse com um comprimento mais curto. Então, Huygens sabia que, independente do obstáculo, poderia compensar o período. Mas, a pergunta surgiu quase que imediatamente: que forma deveria ter esse obstáculo? O cientista holandês tentou achar a resposta, de uma forma empírica, mas não conseguiu e parou por aí. O que viria a seguir foi bastante curioso, conforma relata Farina de Souza:

Blaise Pascal, que havia abandonado a ciência para se dedicar a retiros espirituais e religiosos, foi acometido por uma dor de dente insuportável. Com o intuito de tentar se abstrair de tão forte dor, Pascal decidiu se concentrar em determinadas questões científicas, na esperança de que, com isso, a dor diminuísse. Uma das questões que ele procurou se concentrar foi em uma determinada curva, designada “cicloide”, problema esse que foi repassado para ele por outro matemático e teólogo – Padre Mersenne. Pascal ficou tão concentrado na resolução desse problema que sua dor de dente sumiu e ele interpretou esse fato como um sinal divino, como uma mensagem de que ele deveria continuar a pensar na resolução do problema da ciclóide. De fato, Pascal resolveu muitos problemas relacionados à cicloide, mas, entretanto, levantava novas questões e, em vez de as publicar, o cientista francês resolveu fazer um concurso que chamou a atenção de inúmeros físicos e matemáticos, entre eles Huygens. Huygens não participou diretamente nesse concurso, mas manteve assíduos contatos escritos com Pascal, trocando informações sobre o tema, o que o transformou num perito sobre o assunto “cicloide”. Quando Huygens parou de pensar no concurso, chegou à conclusão que a curva que tão insistentemente procurava para resolver seu problema do pêndulo isócrono, era, afinal, a ciclóide – conclui Farina de Souza.

(Rui Sintra – jornalista)

14 de março de 2018

Vidro: 6.000 anos de maravilhas e mitos

Quer saber o que são vidros? Se os vidros de catedrais medievais escorrem? E se é possível quebrar um vidro ?no grito??

Nesta palestra, descreveremos a descoberta dos vidros há cerca de 6000 anos, ilustraremos como eles são produzidos e as suas principais propriedades físico-químicas.

Também mostraremos algumas aplicações conhecidas, como o Gorilla glass dos telefones celulares, e outras não convencionais, como vidros para uso em medicina e odontologia, vidros que absorvem calor, vidros para visão noturna e vidros para tacos de golfe!

No final desvendaremos as causas das imagens sacras que apareceram misteriosamente numa janela de vidro em Ferraz de Vasconcelos, SP, e vídeos (em Inglês) sobre o famoso tenor italiano Enrico Caruso e a cantora norte-americana Ella Fitzgerald, que quebravam vidros de janelas e taças de vinho com a própria voz!

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Resenha

Prof. Dr. Edgar Dutra Zanotto

Edgar Dutra Zanotto, docente e pesquisador do Departamento de Engenharia de Materiais ? DEMa – Centro de Ensino, Pesquisa e Tecnologia de Materiais Vítreos (CeRTEV), da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), foi o palestrante convidado de mais uma edição do programa Ciência às 19 Horas, que ocorreu no dia 23 de agosto de 2016, pelas 19 horas, no Auditório Prof. Sérgio Mascarenhas (IFSC/USP).

Em sua apresentação ? dinâmica e muito interessante -, intitulada Vidro: 6.000 anos de maravilhas e mitos, Zanotto abordou diversos assuntos relacionados com o vidro, tendo colocado algumas questões curiosas, como, por exemplo, se os vidros de catedrais medievais escorrem, ou se é possível quebrar um vidro no grito. O palestrante descreveu, ainda, como o vidro foi descoberto há cerca de 6.000 anos, tendo ilustrado como ele é produzido e as suas principais propriedades físico-químicas e, na sequência, mostrado algumas aplicações conhecidas, como o Gorilla Glass, dos telefones celulares, e outras menos convencionais, como vidros para uso em medicina e odontologia, vidros que absorvem calor, vidros para visão noturna e vidros para tacos de golfe! No final de sua apresentação, o palestrante levantou um pouco o véu sobre as causas das imagens sacras que apareceram misteriosamente numa janela de vidro em Ferraz de Vasconcelos (SP), bem como vídeos (em Inglês) sobre o famoso tenor italiano Enrico Caruso e a cantora norte-americana Ella Fitzgerald, que quebravam vidros de janelas e taças de vinho com a própria voz!

Na verdade ? e indo diretamente ao encontro do tema desta edição do programa Ciência às 19 Horas -, o vidro foi descoberto acidentalmente há aproximadamente seis mil anos, sendo um dos materiais mais antigos que se conhece, isto, claro, em relação ao vidro artificial, porque também existem vidros naturais produzidos na natureza, sendo que esses sempre existiram. No entanto, segundo Edgar Zanotto, só aproximadamente nos últimos cem anos é que a ciência e a tecnologia do vidro começaram a atuar de forma incisiva e exploratória. Apesar de ser um material que tem seis mil anos, só nos últimos cem anos é que os cientistas começaram a se interessar e a tentar entender e a controlar as propriedades do vidro. E o interessante é que, aqui no Brasil, essa ciência tem quarenta anos e começou exatamente no Instituto de Física da USP, com o Prof. Aldo Aldo Craievich, conforme explica Zanotto: O primeiro artigo científico publicado por um autor vinculado a uma instituição brasileira é de autoria desse renomado pesquisador, que chegou a dar aulas aqui no IFSC/USP, há muitos anos: foi em 1975, numa revista chamada Physics and Chemistry of Glasses, que, por sinal, está comemorando cem anos, sendo a publicação mais antiga dedicada exclusivamente a vidros. E o professor Aldo publicou, então, o artigo em 1975. Eu me formei em 1976 e fui contratado pela engenharia de materiais, como uma espécie de auxiliar de ensino, sem mestrado, sem nada, para montar essa área de vidros no Brasil. E só tinha o professor Aldo e fiz um mestrado aqui na física, por conta dessa coincidência, esclarece nosso convidado.

No que respeita às principais pesquisas que estão sendo feitas no mudo, nesta área, talvez a principal seja tentar entender o genoma dos vidros, a influência de sua estrutura, em nível molecular, as propriedades ópticas, térmicas, mecânicas, eletrônicas, químicas, biológicas etc. Segundo Edgar Zanotto, existe um grande esforço dos pesquisadores nesse assunto, tentando entender os efeitos da estrutura, nas propriedades, para, a partir daí, poderem controlar as estruturas visando desenvolver vidros com certas propriedades e aplicações, algo que, segundo o palestrante, é bastante complexo. É usada muita dinâmica molecular, métodos DFT calculations e muita simulação, porque o acesso experimental, na escala atômica, ainda é restrito, apesar de existirem microscópios eletrônicos de altíssima resolução, difração de nêutrons, difração de Raios-X; mas essas técnicas são muito melhor adaptadas a materiais cristalinos. Os vidros, pelas suas estruturas totalmente desordenadas, dificultam a análise, elucida Zanotto. Outro tipo de pesquisa, na qual a equipe de Edgar Zanotto, na UFSCar, está profundamente envolvida, é cristalizar controladamente os vidros. Os vidros são materiais totalmente desordenados, são líquidos que foram congelados. Eles têm uma tendência à cristalização se forem aquecidos. Então, é possível aquecer controladamente os vidros a determinadas temperaturas e mudar a estrutura de amorfa desordenada para cristalina. Com isso, as propriedades mudam radicalmente e consegue-se formar alguns materiais chamados vitrocerâmicos, que não são vidros, nem são cerâmicas: são materiais cristalinos, obtidos através do controle da cristalização de vidros. Eu trabalho muito nessa área, principalmente no entendimento dos processos de nucleação de cristais, do crescimento dos cristais, de sua organização, da cristalização da combinação desses dois fenômenos, da cinética difusional, em como os átomos se difundem em função da temperatura, se rearranjam, etc. Enfim, tudo isso tem muito trabalho, tanto de cunho eminentemente teórico, como fundamental, quanto, ainda, de cunho aplicado, visando desenvolver esses vidros cerâmicos para uma série enorme de aplicações.

O designado Gorilla Glass é uma das principais inovações surgidas com as pesquisas desenvolvidas em vidro, um material que resiste a oito toneladas por centímetro quadrado. É um material que demorou entre cinco e seis anos para ser desenvolvido pelos pesquisadores, com muito esforço, com muita gente controlando inúmeros detalhes para se chegar até ao produto final. O Gorilla Glass já está sendo usado nos carros top de linha, substituindo, de forma inacreditável, um vidro de 7,8 milímetros de espessura por um de 1 milímetro, com mais resistência e muito menos peso. Outra pesquisa que está sendo desenvolvida pelos pesquisadores é relacionada com biovidros. São vidros que são implantados no corpo humano para substituir ossos e dentes. Eles se ligam automaticamente aos ossos e às cartilagens, sublinha Zanotto. Essa é uma área que começou em 1970. No último congresso sobre essa temática estavam quatro mil participantes. Então tem áreas muito quentes, como, por exemplo, baterias no estado sólido. Por exemplo, as baterias do celular, que atualmente duram um dia, agora a meta é que elas durem uma semana e logo mais um mês. São baterias no estado sólido, de alta capacidade de armazenamento e um dos materiais estudados para utilizar como eletrólito é o vidro. São vidros de altíssima condutividade iônica.

As perspectivas para o futuro nesta área estão focadas na reciclagem, algo que é uma característica muito importante. Hoje, fala-se muito em meio ambiente, em carbon footprint etc., atendendo até que o vidro é um material facilmente reciclado, bastando apenas fundir. Quebrou, sujou, não tem importância: você põe numa forma, refunde e dá outra forma. É forever. O vidro não se degrada como os plásticos e mantém todas as propriedades. Você só não pode misturar cores. Mas, havendo um sistema seletivo de coleta de vidro, é possível reciclar e o curso do vidro reciclado é uma pequena fração de um vidro novo – de vidro virgem, e as propriedades são idênticas. Então, reciclagem é uma palavra muito importante em todas as engenharias e o vidro é o material mais reciclável que existe entre todos os materiais. Então, isso é forte. Reciclagem de vidro é muito forte, muito importante, acrescenta Zanotto

Contudo, é nos materiais vitrocerâmicos que a atenção dos cientistas está mais concentrada, por conterem partículas cristalinas magnéticas dentro, para hipertermia de câncer, por exemplo. Pode-se implantar um vidro desses numa pessoa que tem um tumor cancerígeno, aí vem com um campo magnético externo alternado e aquece apenas esse local onde tem aquela partícula, sem danificar o resto dos tecidos. De fato, cancer hyperthermia são vidros especiais – são vitrocerâmicos -, vidros que foram parcialmente cristalizados e as fases cristalinas têm perdas magnéticas interessantes que elevam a temperatura até 42 graus – não mais do que 42 graus, porque senão mata as células boas também. Então tem muita coisa sendo pesquisada e o futuro é promissor, conclui o Prof. Edgar Zanotto.

Vidro: 6.000 anos de maravilhas e mitos
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Vidro: 6.000 anos de maravilhas e mitos

13 de março de 2018

Geografia e História… do Universo!

No início, há 14,3 bilhões de anos, o universo estava num estado totalmente caótico. Ao longo do tempo, a força da gravidade foi estabelecendo uma ordem, que atualmente se manifesta por meio de inúmeras galáxias, estrelas, planetas e assim por diante.

Hoje, sabemos que o nosso sistema solar é apenas um entre bilhões de sistemas planetários semelhantes na nossa galáxia (a Via Láctea) e também sabemos que essa Via Láctea é apenas uma entre uma infinidade de galáxias no universo.

Nesta palestra, o Prof. Dr. Raul Abramo dará um panorama da diversidade “ecológica” do universo, com uma breve excursão pelo zoológico de objetos astronômicos, tais como estrelas canibais, buracos negros supermassivos e enxames de galáxias, abordando, igualmente, sobre os principais mistérios da Cosmologia na atualidade, que são as misteriosas substâncias conhecidas como matéria escura e energia escura.

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Resenha

Prof. Dr. Raul Abramo

No início, há 14,3 bilhões de anos, o universo estava num estado totalmente caótico, mas ao longo do tempo, a força da gravidade foi estabelecendo uma ordem, que atualmente se manifesta por meio de inúmeras galáxias, estrelas, planetas e assim por diante.

Hoje, sabemos que o nosso sistema solar é apenas um entre bilhões de sistemas planetários semelhantes na nossa galáxia (a Via Láctea) e também sabemos que essa Via Láctea é apenas uma entre uma infinidade de galáxias no universo.

O Prof. Dr. Raul Abramo, pesquisador do Instituto de Física da USP (IFUSP), foi o palestrante convidado em mais uma edição do programa “Ciência às 19 Horas”, evento que ocorreu no dia 29 de abril, no IFSC/USP, tendo dissertado sobre o tema Geografia e História… do Universo!, com ênfase para o panorama refletido naquilo que ele considera ser a diversidade ecológica do Universo, utilizando uma espécie de rápida excursão pelo zoológico de objetos astronômicos, tais como estrelas canibais, buracos negros supermassivos e enxames de galáxias, tendo abordado, igualmente, os principais mistérios da cosmologia na atualidade, que são as misteriosas substâncias conhecidas como matéria escura e energia escura.

Em entrevista a Raul Abramo, quisemos aprofundar um pouco aquilo que ele chama de diversidade ecológica do Universo, que, segundo ele, é um panorama pouco familiar para a maioria da população, já que ela está mais acostumada a assistir a programas relacionados com a natureza da Terra ? do seu próprio planeta ? e a entender um pouco mais das particularidades, por exemplo, do deserto do Saara ou do fundo dos oceanos.

Abramo salienta que para ter uma visão do Universo, as pessoas precisam ter uma visão mais abrangente e quase completa do lugar comum: existem escalas de tempo e de tamanho diferentes, objetos diferentes, enfim, tudo é diferente: As pessoas não têm noção de qual é a dimensão e nem o que vive na dimensão do Universo, o que as coisas estão fazendo, qual a dinâmica daquilo que está acontecendo, como é que os objetos evoluem… Assim como você tem um ambiente que lhe é familiar ? o do nosso planeta Terra, onde as coisas nascem, crescem, morrem e são substituídas por outras -, o mesmo acontece no universo, só que em uma escala quase que incompreensivelmente maior, sublinha o pesquisador.

Contudo, o curioso é que a forma como os cientistas observam o universo – de maneira muito particular -, contempla a história no tempo e a história no espaço, que estão misturadas, ou seja, as duas são uma única coisa, exatamente porque eles veem o Universo de forma muito particular, porque ao mesmo tempo em que existem limites, aqui na Terra, eles recebem milhões de informações que chegam ininterruptamente, vindas dos confins do universo.

Por exemplo, as galáxias, que mostram que sua distribuição no Universo é muito particular e que guarda uma espécie de memória de como o Universo começou, numa espécie de sopa primordial, ou seja, de uma forma muito caótica. Podemos perguntar como é que, em cerca de 15 bilhões de anos, o Universo conseguiu arrumar tudo. De fato, quem fez isso e quem continua a fazer é a própria força da gravidade, cuja teoria moderna sobre esse tema está comemorando cem anos. A história sobre como essa sopa primordial ? uma ótima expressão inventada pelo russo George Ganov -, como esse caos começou, é expressa da seguinte forma pelo nosso entrevistado: Essa história gerou tudo o que está aí, com a constatação de que há uma diversidade absurda, comparativamente à da Terra. O Universo tem infinitas outras terras com essa diversidade e tudo isso nasceu de um estado caótico e extremamente simples, pontua Abramo.

Bilhões de sistemas planetários semelhantes à nossa galáxia é uma grandeza que não dá para imaginar e difícil de entender, embora a utilização da palavra bilhões seja uma conjectura, já que o horizonte mais real poderá ser o infinito. Até onde se sabe, o Universo é infinito no espaço, mas, por outro lado, ele não é infinito no tempo, o que significa dizer que a geografia do Universo pode ser infinitamente diversa, mas a história dele não, sendo quase certo que ela tem um pouco mais de 14 bilhões de anos.

Segundo Abramo, não há um fim previsto para o Universo. Não há nenhuma indicação de que o Universo vá terminar com uma explosão ou implosão. Só na nossa galáxia deve haver milhões de terras; imagina nos outros bilhões e bilhões de galáxias que já conhecemos, imagina, ainda, nos outros muitos bilhões que ainda não vimos, mas que iremos ver um dia, e nos possíveis bilhões que nunca chegaremos a ver, diz Raul Abramo.

Já no quesito de matéria escura e energia escura, o cientista da USP afirma que pouco há a dizer sobre elas, já que pouco se sabe. Os átomos – a matéria normal – representa apenas 4% de tudo o que existe no Universo, sendo que os 96% restantes são formas de matéria e de energia que se desconhece por completo. Na teoria atual, que descreve o Universo, existem indicações muito fortes de que estão faltando muitas coisas, enquanto muitas pessoas afirmam que a teoria está errada. Para Abramo, ambas as hipóteses são possibilidades interessantes de se considerar, porque falta uma teoria melhor e, claro, muita observação. Para você ter uma ideia, foi só nos últimos dez anos, que conseguimos avançar consideravelmente, com profundidade, no conhecimento dessa geografia do Universo. Na verdade, há muito tempo que sabemos que o Universo se expande, que teve um início muito quente e denso há alguns bilhões de anos, mas, em detalhe, só nos últimos dez anos é que tivemos constatações claras. Então, é muito recente esse conhecimento detalhado sobre o Universo. A grande diferença não foi do lado teórico, mas foi do lado das observações, graças aos avanços da tecnologia, pois sem isso não estaríamos com um monte de dados, observações e descobertas, inclusive com a descoberta de que o universo está se expandindo de maneira acelerada. Então, tem tudo a descobrir ainda. Essa imagem não está terminada. Ainda temos tudo para fazer, enfatiza o pesquisador.

O avanço das observações do Universo está diretamente relacionado com o lançamento do telescópio Hubble, que está completando 25 anos de atividade, mas em termos de cosmologia o seu papel foi limitado. Ele foi importante porque forneceu imagens maravilhosas e detectou objetos com uma precisão nunca antes conseguida, mas, para conhecer a grande escala do cosmos, é necessário ter outros tipos de instrumentos, conforme exemplifica Abramo. Se você segurar uma moeda de dez centavos com a ‘cara”‘ a um metro, o pingo do ‘i’ corresponde ao tamanho do campo de visão do Hubble. Então, o Hubble pode muito bem permitir conhecer uma região muito pequena, onde tem uma, duas ou algumas galáxias muito localizadas, enquanto que, para conhecer o cosmos, a gente precisa observar grandes áreas do céu. Então, necessitamos de outros tipos de telescópios, que já começaram a ser construídos nos últimos quinze anos e que cada vez mais estão se tornando importantes.

O Chile é o lugar onde existe, atualmente, um maior número de telescópios. Tem outros países que também possuem telescópios com a característica de conseguir mapear grandes volumes do Universo, rapidamente, e isso permitiu grandes avanços. O Brasil tem várias iniciativas, como, por exemplo, o ESO, o GMT, que é um telescópio gigante, bem como em outros vários levantamentos do cosmos, que permitiram ao nosso país participar desses grandes experimentos e observações do Universo que estão acontecendo agora.

Vamos aguardar um pouco mais, para ver até onde a pesquisa do Universo nos pode levar e quais as novas fronteiras que estão por descobrir.

Geografia e História... do Universo!
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Geografia e História... do Universo!

13 de março de 2018

Pesquisadores não são anjos: uma controvérsia científica do século XVIII, com Maupertuis, Voltaire, Euler e o rei Fréderic II

Costuma-se atribuir a Maupertuis a primeira proposta de um princípio de ação mínima na mecânica. Este autor apresentou, em meados do século XVIII, uma proposta de um princípio de ação mínima para todas as áreas da física, o qual considerava como um argumento a favor da existência de Deus.

Tanto a fundamentação apresentada por Maupertuis, para seu princípio, quanto as aplicações que fez do mesmo, estão repletas de problemas. Seu trabalho foi criticado na época, tanto por falhas científicas, como por causa de alguns aspectos filosóficos e históricos. Além disso, sabe-se que Euler havia proposto, antes de Maupertuis, uma lei da Mecânica que se assemelhava muito mais ao princípio de ação mínima desenvolvido posteriormente, do que aquele que aparece nos artigos de Maupertuis; e que não alegou prioridade porque não queria desagradar ao colega, que era Presidente da Academia de Ciências de Berlim.

A utilização deste episódio histórico no ensino de Física permite transmitir importantes mensagens a respeito da natureza da ciência, tais como: o estabelecimento das leis científicas é gradativo (não instantâneo), sendo o resultado de tentativas, erros, discussões e contribuições de grande número de pesquisadores; a ciência ensinada nos livros-texto esconde a complexidade histórica de sua construção; o pensamento científico pode ser fortemente influenciado por concepções filosóficas e religiosas; e a atitude dos cientistas, diante de uma nova proposta, pode depender de fatores pouco científicos, como o medo de ter uma redução de salário.

Essa palestra não possui vídeo


Resenha

Prof. Roberto de Andrade Martins

O público em geral idealiza os cientistas como se fossem extraterrestres, ou ratos de laboratório, com pouco contato com o mundo exterior. Um estereotipo que não coincide com a verdade, já que eles são de carne e osso como todo o mundo, com seus defeitos e virtudes, vícios e manias. Foi devido a alguns desses mitos que o programa Ciência às 19 Horas, recebeu, no dia 7 de outubro, o Prof. Dr. Roberto de Andrade Martins, docente e pesquisador da Universidade Estadual da Paraíba, que apresentou a palestra intitulada Pesquisadores não são anjos: uma controvérsia científica do Século XIII com Maupertuis, Voltaire, Euler e o rei Fréderic II, um tema que, de interpretação lata, continua atual, já que apresenta um aspecto extremamente humano da pesquisa científica. Ou seja, a história de pessoas que, embora distantes centenas de anos, lutam por sua reafirmação, lutam pelo poder, fazendo coisas que às vezes não são muito corretas do ponto de vista acadêmico, como copiando ideias dos outros e utilizando a falta de ética, por exemplo.

Na história apresentada por Roberto Martins, o pesquisador mais importante envolvido nela é Maupertuis, cientista francês que propôs o princípio de ação mínima na área da física, que na atualidade é um dos princípios básicos da área, sendo usado na física clássica e também na moderna ? relatividade, teoria quântica, etc.: ou seja, é considerado como um dos princípios mais importantes da física. Quando Maupertuis apresentou esse princípio, propôs uma ideia e escolheu alguns exemplos para aplicá-la, tendo forçado bastante a situação, por forma a que os seus princípios dessem certo. Não foi o primeiro cientista que já apresenta algo pronto. Na verdade, o princípio que ele propôs estava errado, tendo sido posteriormente discutido por pesquisadores importantes, como d’Alembert, que apontou uma falha importante que invalidava a generalização que Maupertuis fazia na época, elucida Roberto Martins.

De fato, a atitude de Maupertuis era discutir algumas das críticas que dirigiam a ele, fingindo não ouvir outras, como as do d’Alembert, que eram irrespondíveis. Maupertuis estava se baseando em ideias de outras pessoas que ele não cita. Na época em que defendia esse princípio, Maupertuis era presidente da Academia de Ciências da Prússia, em Berlim, e o Leonhard Eules, que era suíço, estava também na Academia, sendo subordinado a ele. Na verdade, Euler já tinha desenvolvido uma versão muito melhor desse princípio, mesmo antes de Maupertuis, que citava o trabalho de Euler como sendo uma aplicação do seu próprio trabalho: e Euler concordava com essa situação, já que ele não podia desagradar o presidente da Academia, explica Roberto Martins. A sequência dessa história relata que após essa situação, o matemático Samuel Köenig, que inicialmente era amigo de Maupertuis, visitou-o em Berlim, manifestando sua discordância com o princípio, mostrando ao amigo um rascunho de um artigo que ele queria publicar, criticando seu trabalho, questionando-o se ele se ofenderia com essa publicação. Não temos uma documentação muito clara sobre isso, mas, aparentemente, no dia seguinte a esse encontro com Köenig, Maupertuis devolveu o manuscrito a ele, alegando que poderia publicar o que quisesse. Samuel Köenig publicou a citada crítica, que teve uma repercussão enorme na comunidade acadêmica, inclusive, porque ele mostrou que o Leibniz havia proposto, há anos, um princípio mais geral e mais correto do que o ?inventado? por Maupertuis, pontua o pesquisador. Conta a história que Maupertuis se enfureceu e resolveu destruir a reputação e a imagem de Köenig, que não tinha uma situação acadêmica tão confortável, pedindo, inclusive, que academia o julgasse, o que acabou por acontecer. Como resultado, Köenig foi humilhado e ridicularizado, como se ele tivesse falsificado documentos de Leibniz, o que não foi verdade, iniciando-se aí uma situação que polarizou os pesquisadores na época, com um lado a se posicionar contra e outro a defender Köenig.

Foi nesse momento que Voltaire entra na história. Amigo muito próximo de Köenig e Maupertuis, Voltaire estava em Berlim naquela época e resolve apoiar Köenig, publicando panfletos anônimos satíricos ridicularizando Maupertuis, criando, assim, um escândalo geral, o que provoca a entrada do Rei no confronto ideológico. Frederico e Voltaire eram amigos muito íntimos, mas Frederico interpretou o ato de seu amigo como um abuso desmedido, já que ele estava atacando o presidente da Academia. Frederico adverte seu amigo, pedindo para que ele sumisse com os panfletos e parasse com as ações, mas Voltaire continua, dessa vez enviando os citados panfletos para fora da Prússia, o que irritou profundamente o Rei, obrigando o mesmo a ordenar que os panfletos fossem imediatamente recolhidos e queimados em praça pública, pelo carrasco real. Finalmente, Voltaire se deu conta que o Rei falava sério e que sua vida poderia ficar em perigo. Impedido de sair da Prússia, por ordem do Rei, Voltaire acabou preso em uma cidade limítrofe e foi encarcerado durante várias semanas, acabando por se refugiar na Suíça, onde acabou por morrer. Apesar de tudo, Voltaire tinha conseguido ridicularizar tanto o Maupertuis, que ele conseguiu ser motivo de zombaria em toda a Europa toda, nunca tendo se libertado disso, fato que o afastou definitivamente da ciência.

O que aconteceu com Eule

Eule sempre foi um matemático muito importante, publicava muito, mas nunca quis não se envolver nas discussões e na confusão que acabamos de relatar acima. Contudo, ele acabou por apoiar Mauterpuis e, inclusive, preparou o dossiê de acusações contra Köenig, defendendo que ele era um falsário. Eule fez todo o jogo de Mauterpuis, e quando este ficou doente, incapacitado de continuar como presidente da Academia, provavelmente Eule acreditou que seria o próximo presidente, pelo fato de ser o braço direito de Mauterpuis, mas isso não aconteceu. Eule acabou se dando mal lá e partiu para a Rússia. Todo mundo acabou mal. O Rei Frederico também acabou mal porque, no fim, perdeu Voltaire, que era considerado a pessoa mais importante da vida dele, que inclusive era considerado o ponto de referência e cultural do Rei, todos se deram mal, complementa o pesquisador. A questão dos interesses pessoais se sobreporem aos interesses científicos e prejudicarem o trabalho científico são as duas lições mais importantes, segundo Roberto Martins. Ao invés de as pessoas estarem realmente querendo saber se tal ideia é correta ou não, se existem limitações, ou não tem, tem vezes que os egos e os interesses ficam acima disso. No caso de Euler, não era bem seu ego, era o interesse de manter a posição dele e receber atenção na academia de ciências. O Rei também não queria a verdade, só queria apoiar politicamente o presidente, entre outras coisas. Será que Voltaire queria a verdade? Provavelmente, também não, já que o seu principal foco era desmascarar Maupertuis, finaliza Roberto Martins, acrescentando que, na atualidade, não é raro acontecem episódios semelhantes.

(Rui Sintra . jornalista)

Pesquisadores não são anjos
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Pesquisadores não são anjos

13 de março de 2018

O Nascimento do Universo

Desde a Antiguidade, o Homem tenta conhecer a estrutura e a história do Universo e, desde esses remotos tempos, foram desenvolvidos diversos mitos cosmológicos, na tentativa de explicá-las. Atualmente, desenvolvemos o nosso próprio mito, o Big-Bang, que tenta explicar exatamente a mesma coisa que na Antiguidade, mas desta vez com base nas leis da física. Nesta palestra iremos expor como se desenvolveu esta teoria, incluindo seus êxitos e dificuldades.

 

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Resenha

Prof. Dr. Héctor Vucetich

Sempre bem humorado, permanentemente disponível, focado na sua áurea de conhecimento: estes são três dos predicados que conseguimos detectar, de forma espontânea, do perfil do Prof. Dr. Héctor Vucetich, docente aposentado e pesquisador da Faculdad de Ciencias Astronómicas e Geofísicas da Universidad Nacional de La Plata, Argentina, palestrante convidado de mais uma sessão do programa Ciência às 19 Horas, evento que ocorreu no dia 21 de maio, pelas 19 Horas, no Auditório Prof. Sérgio Mascarenhas (IFSC), que se encontrava completamente lotado.

O tema proposto para esta edição do programa Ciência às 19 Horas atraiu muita gente interessada em saber um pouco mais sobre os mistérios de tudo aquilo que nos rodeia: a palestra de Vucetich, intitulada O Nascimento do Universo, abordou as diversas formas como o Homem, desde a Antiguidade, vem tentando conhecer a estrutura e a história do Universo, inclusive influenciado, algumas vezes, por vários mitos cosmológicos, sempre na tentativa de obter mais explicações.

O Prof. Héctor afirma, em seu resumo referente à palestra, que o próprio Homem desenvolveu, na atualidade, seu próprio mito, o Big-Bang, só que desta vez baseado nas leis da física.

Na Antiguidade, a influência dos deuses sobre tudo o que rodeava o ser humano, dos comportamentos aos seus pensamentos, terá sido o mote para que o Homem tentasse explicar aquilo que, para ele, era de todo inexplicável: e o Universo era um dos cenários onde residia essa influência divina, era o lar do divino. Para Vucetich, a própria cultura Azteca comprova essa influência.

Foi a partir da civilização grega que o Homem iniciou as suas indagações racionais sobre o Universo, sobre o céu: Há fortes indícios que os gregos pensavam que o Universo sempre teria existido da mesma forma como eles o viam, sem qualquer alteração, um conceito que coincide com a filosofia cristã, até porque na Bíblia se pode ler que Deus criou o Universo em sete dias. E aí, claro, começaram a aparecer as perguntas: Mas, quando é que o Universo foi criado? Qual foi a data? A partir de Galileu, o Homem começou a querer saber a verdadeira história do Universo e, a partir desse momento, começou a descobrir que essa história estava intimamente ligada às leis da física, às leis da natureza, ou seja, indelevelmente ligada a conceitos científicos que passaram a ser estudados em laboratórios, comenta o pesquisador.

Para Vucetich, o Big-Bang se parece mais com um mito científico, até porque, para o palestrante, um mito nada é do que uma história que versa tempos remotos, antigos, cujos protagonistas são sempre individualidades prestigiosas, mas distantes do conceito real. Assim, Vucetich considera que as leis da natureza, que supostamente serão as protagonistas do Big-Bang, embora prestigiosas elas são distantes do panorama real: Considero o Big-Bang um mito científico: para outros, talvez seja um mito literário, refere o palestrante.

Em face de este ponto de vista de Héctor Vucetich, a dúvida permanece: então, de que forma é que o Universo foi formado? Segundo a opinião do pesquisador, o Universo nasceu graças à existência de minúsculas partículas, totalmente insignificantes, que foram se expandindo ao longo de milhares de milhões de anos, até chegarem ao ponto em que as conhecemos hoje, e aí as leis da natureza foram-lhes dando forma. Para Vucetich, isto é o que a teoria moderna e as consequentes observações têm demonstrado até hoje.

Para Héctor Vucetich, como em tudo na vida, todo esse trabalho tem tido êxitos e insucessos: Os principais êxitos que podemos referir com muita exatidão, já que, para os atingir, a complexidade dos trabalhos foi alta, são os inúmeros fenômenos e acontecimentos espetaculares que se observam diariamente no Universo e que são a base do nosso estudo e da evolução de nosso conhecimento, pontua Héctor. Por outro lado, o pesquisador refere que o principal fracasso é o fato de os cientistas ainda não terem algo que possa ser observado e testado em laboratório, por forma a aumentar e refinar o conhecimento: Ainda não conseguimos inventar uma substância com propriedades raras, por forma a escrever e a complementar, até a completar, a descrição do Universo, salienta o professor. Com a evolução científica e tecnológica, havia indícios de que se pudesse avançar mais no conhecimento do Universo, mas isso não tem ocorrido de forma veloz. Apenas 5% do Universo é conhecido, ou seja, 95% do que nos rodeia está por descobrir, em termos de sua composição, o que, para Vucetich, é um verdadeiro fracasso: Sim, é um fracasso! Sucesso seria você compreender tudo aquilo que vê, entender e explorar todas as substâncias que, para nós, são completamente misteriosas, refere Vucetich.

Tendo como uma de suas paixões a vida e morte dos asteroides, não resistimos a abordar esse tema, até com base no que ocorreu há alguns meses atrás, quando um asteroide caiu no Leste da Europa. Afinal, estamos ou não na rota de colisão de asteroides? Existem perigos não revelados? Vucetich sorri e afirma que pequenos asteroides são facilmente detectados e todos eles poderiam ser um perigo para nosso planeta, mas, contudo, o seu número é muito reduzido e cada vez que aparece um é imediatamente monitorada sua trajetória. O perigo maior vem de asteroides chamados escuros, que só são detectados quando estão muito perto do nosso planeta: Esse tipo de asteroide ainda está sendo estudado, refere Vucetich.

O curioso, neste tema, é que na maior parte das vezes Júpiter protege o nosso planeta desses asteroides que vêm de fora. Júpiter é tão grande, que suga grande parte desses asteroides, que acabam por se chocar contra ele. Segundo nosso entrevistado, a probabilidade de um desses asteroides colidir com a Terra é extremamente baixa, o que não quer dizer que não possa acontecer: É um problema muito complexo que está sendo estudado pela NASA e pela European Space Agency, completa Héctor Vucetich.

 (Rui Sintra)

O Nascimento do Universo
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O Nascimento do Universo

13 de março de 2018

Candido Portinari: Do Cafezal à ONU

A palestra começa mostrando como a trajetória de Portinari ilustra, literalmente, o famoso ditado do escritor russo Tolstoi: se queres ser universal, começa por pintar a tua aldeia. Seu coruscante itinerário começa em um humilde povoado perdido nas imensas plantações de café do interior do Estado de São Paulo e, após legar ao País um retrato emocionado e grandioso, em mais de cinco mil obras, do povo, da vida e da alma brasileira, vai atingir o seu ápice nos monumentais painéis Guerra e Paz, poderosa mensagem plástica, ética e humanista, presente do Brasil à Organização das Nações Unidas. Ao mesmo tempo, esta palestra focaliza o trabalho de 33 anos do Projeto Portinari, empenhado no levantamento, catalogação, pesquisa e disponibilização da obra e vida do pintor. Sua interface com as áreas de Ciência e Tecnologia, e sua atuação junto às crianças e jovens de todo o País. Em particular, sua conquista mais recente: a concretização de um antigo sonho, durante décadas julgado impossível, de, após obter da ONU a guarda dos originais Guerra e Paz durante o período 2010-2014, trazê-los para restauro e exposição no Brasil, e no exterior.

 

 

 


Resenha

Prof. Candido Portinari

O dia 19 de março do corrente ano ficou marcado por mais uma edição do programa Ciência às 19 Horas, uma iniciativa que decorreu, como habitualmente, no Auditório Prof. Sergio Mascarenhas, no IFSC, tendo como palestrante o Prof. João Candido Portinari, docente da Pontifica Universidade Católica do Rio de Janeiro e, simultaneamente, fundador e diretor – geral do Projeto Portinari.

Sair pelo mundo, divulgando o trabalho de um dos maiores artistas plásticos nacionais, não é fácil, tendo em conta, até, que esse périplo já dura há cerca de trinta e quatro consecutivos e que a primeira palestra proferida por João Candido Portinari data de 1980, como explica o palestrante: Na época, eu não tinha as imagens e não tinha sido feito o levantamento da obra; tínhamos poucas coisas e os equipamentos eram antidiluvianos para os parâmetros atuais. Só para se ter uma ideia, eu levava comigo catorze malas, com projetores de slides, torres etc. Eu tinha uma  picape e, então, colocava todo esse equipamento lá e ia dirigindo do Rio de Janeiro a Porto Alegre. E foi assim que percorri o Brasil inteiro dessa forma. Essa foi a primeira face do Projeto Portinari. Não havia outra maneira de conhecer o Projeto se não fosse dessa forma. E, naturalmente, em cada lugar que eu ia, sempre haviam jornalistas interessados em bater um papo para, depois, serem publicadas matérias, e foi assim que as pessoas, o público, passou a ter conhecimento do projeto. A sensação que tenho é de orgulho muito grande, sinto-me orgulhoso, sem falsa modéstia, sabe? Toda a minha equipe faz um trabalho muito grande.

Quando João Candido Portinari fala de sua equipe, sempre se manifesta na sua expressão um semblante sério; isso porque, segundo o nosso entrevistado, o Projeto Portinari esteve algumas vezes em risco ? na UTI, como ele próprio afirmou. Principalmente por questões financeiras, sempre João Portinari sempre lutou com muita dificuldade e, por isso, sua equipe nunca teve um número certo de colaboradores, até porque as pessoas sentiam-se inseguras do ponto de vista financeiro: O máximo de pessoas que eu consegui ter foi o que tenho agora, porque o projeto ?Guerra e Paz? tem uma logística muito complexa e exige uma equipe muito maior. Hoje, temos cerca de treze pessoas colaborando, mas tempos houve em que apenas consegui ter seis ou sete. O Projeto Portinari nasceu na universidade e foi criado na universidade ? algo raro para projetos culturais. Projetos culturais, no Brasil, por alguma razão que não sei explicar, estão longe das universidades: só que nós não estamos longe delas. Nós nascemos nos departamentos de ciência e tecnologia: por exemplo, eu era da matemática. Então, foi muito importante esse convívio com colegas da física, da informática, da matemática e de outras áreas do conhecimento, porque deu ao Projeto a oportunidade de trazer inovação para sua execução, praticamente na hora em que a inovação estava sendo feita. Quando você está na universidade, você passa o dia todo com os colegas e quando olha para o lado você está sentado ao lado de algum deles e pergunta, ?o que você está fazendo??; e ele responde: ?eu descobri uma coisa para tratar imagens, fazer o processamento de imagens…

Contudo, o Projeto Portinari conseguiu beneficiar-se do desenvolvimento da ciência e tecnologia nestes últimos trinta anos e, se fizermos uma pequena reflexão, o certo é que o Projeto tem a mesma idade que a indústria de microcomputadores. Quando tudo começou não existia escâner, base de dados, microcomputador, enfim, era tudo na mão; as fotos que se batiam eram de filme, slides, e então seus responsáveis percorriam o mundo inteiro fotografando a obra do Portinari e o que resultou disso foi o único registro visual colorido da obra dele em slides, que sabemos que são perecíveis e que vão se estragando, irremediavelmente: Ficávamos em pânico ao pensar de como poderíamos preservar aquilo: só que a ciência e tecnologia trouxeram a resposta, que é a digitalização em alta resolução, o tratamento cromático, compactação,… Todas as técnicas de tratamento de imagens foram necessárias. Um dos grandes problemas era como levar a obra do Portinari para todos, em qualquer lugar no mundo, e aí… surge a internet. Como íamos imaginar que ia surgir a internet quando começamos?

Desde o início do Projeto Portinari, foram levantadas mais de cinco mil obras, percorreram-se mais de vinte países da Europa, Oriente médio, das três Américas, visitando obras e proprietários, fotografando obras, pegando informações. E, nesse longo caminho conseguiu-se levantar, também, cerca de trinta mil documentos, entre eles, por exemplo, seis mil cartas que Portinari trocou com os grandes expoentes de sua geração, como Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade, Oscar Niemeyer, Vila Lobos, Mário de Andrade, e esse fato não é tão conhecido assim: ele, além de pintor, conviveu intensamente com sua geração, com abundantes trocas de ideias e de opiniões sobre os mais variados temas, principalmente relativas a preocupações de âmbito estético, artístico, cultural, social e político: tudo isso estão refletido nessas cartas.

A divulgação dessas cartas vai muito além do que todos nós possamos imaginar, como refere João Portinari: Essa divulgação vai muito além de Portinari, até porque essas cartas nos revelam como era o Brasil nessa época, o que aquela gente pensava a respeito de seu país, quais eram os caminhos estéticos, políticos, sociais, tudo. Então, além das seis mil cartas, existem ainda doze mil periódicos de jornais e revistas, de 1920 até hoje. Fizemos um programa que entrevistou setenta e quatro contemporâneos de Portinari, resultando em cento e trinta horas de gravação que, agora, estudantes e pesquisadores descobriram e estão começando a tirar benefícios disso. Temos também cinco mil obras – não as originais, mas o documento do levantamento -, que se traduzem em todas as informações que conseguimos recolher, mais as imagens, coloridas e em preto e branco. Temos mais de mil e duzentas fotografias de época, monografias, textos avulsos, cartazes,… Temos muitas coisas do que chamamos de ?memorabília?. Todo esse acervo foi o responsável pelo grande passo que demos agora, ao lançar o Portal Portinari. Tínhamos o site, mas ele não tinha uma interface muito amigável. Para uma criança da rede escolar, por exemplo, ou para um professor, não era muito amigável. Isso agora é diferente e está fazendo o maior sucesso entre as crianças.

As pessoas dizem que o Brasil não tem memória, que as pessoas não dão valor à cultura. Contudo, o nosso entrevistado desmistifica a frase, salientando que o Projeto Portinari teve a devida solidariedade da sociedade brasileira: Não importa a cor política da pessoa, não importa nada. Nós tivemos essa solidariedade de todos os setores da vida brasileira. Vou dar três exemplos, só para se ver a loucura que foi isso. Uma grande empresa de transportes aéreos, que era a Varig, durante décadas deu as passagens de graça para pesquisador e fotógrafo percorrerem o Brasil inteiro fotografando as obras. Eu duvido que a Air France ou a Panamerica fizessem isso em prol da memória de um artista europeu ou americano. Nunca ouvi falar de nada igual. E não somente a Varig fez isso, como também enviou telex para todas as agências Varig do mundo inteiro, pedindo que em cada lugar a agência Varig funcionasse quase como uma sucursal do Projeto Portinari, e identificasse quem tinha obras ou qualquer documento sobre Portinari, mandando organizar a logística das visitas e todo o apoio indispensável. O Ministério das Relações Exteriores mandou uma circular para todas as missões diplomáticas brasileiras no mundo inteiro, pedindo, também, que cada local apoiasse o Projeto. Isso foi valiosíssimos para nós! E o terceiro exemplo veio da maior rede de televisão do país – Rede Globo ? que, com o apoio da Fundação Roberto Marinho, fez uma campanha de chamadas nacionais e regionais, em todos os horários, inclusive nobres, que durou quase quatro anos, pedindo que, se qualquer pessoa tivesse qualquer documento sobre Portinari, que entrasse em contato conosco. Os Correios nos deram a caixa-postal 500, um número fácil de lembrar. Essa caixa-postal recebeu mais de três mil cartas do Brasil inteiro. Isso tudo aconteceu há trinta anos. Então, o brasileiro, quando acredita em algo, mobiliza-se; eu acho que todos eles acreditaram no Projeto Portinari, pois estamos falando de um artista muito amado, que diz algo fundo na alma dos brasileiros, pois todos sabem que ele retratou o Brasil, o brasileiro, a alma do país, e de uma maneira muito autêntica, crítica e emocionada de todos os aspectos do país. Eu acho que não se conhece no mundo inteiro nenhum pintor que tenha pintado mais um país do que Portinari pintou o seu. Portinari pintou os temas sociais, os temas históricos, religiosos, o trabalho no campo e na cidade, a infância, os tipos populares, a festa popular, os mitos, a fauna, a flora e a paisagem, ou seja, ele fez um grande retrato de uma nação. Isso é uma coisa que o Brasil agora está começando a ter: uma autoestima muito maior do que tinha no passado, quando achávamos que tudo que vinha de fora era melhor do que o nosso. E agora isso está mudando: estava na hora de mudar…

O Projeto Portinari está aí, para que todos o possam conhecer e transmitir seus valores, principalmente os jovens, e essencialmente nas escolas. João Candido Portinari rematou esta entrevista com uma frase profunda proferida pelo eterno compositor polaco Frédéric François Chopin, que ilustra a sensibilidade e devoção do nosso convidado do Ciências às 19 Horas: A arte é o espelho da pátria. O país que não preserva seus valores culturais jamais verá a imagem da sua própria alma. Se você não vir a imagem da sua própria alma, você não se conhece e, você não se conhecendo, você não pode ir a lugar nenhum.

Candido Portinari: Do Cafezal à ONU
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Candido Portinari: Do Cafezal à ONU

13 de março de 2018

Christiaan Huygens, a Helena da geometria e o tempo aprisionado

O matemático, físico e astrônomo holandês Christiaan Huygens desenvolveu uma obra fascinante, com diversas observações astronômicas, incluindo a descoberta de um anel em torno de Saturno, estudos sobre mecânica, em particular sobre pêndulos, e estudos sobre ótica. Huygens passou décadas de sua vida tentando aprimorar cronômetros marítimos.

Aprisionar o tempo com precisão era crucial para a medição da longitude, tão necessária para as navegações da época. Nesta palestra, descreveremos como Huygens construiu um pêndulo isócrono (de período independente da amplitude), pois achava que isso seria muito útil para o funcionamento dos relógios de pêndulo em alto mar. Huygens não teve êxito em suas tentativas iniciais, mas acabou beneficiado pelo acaso.

Em 1658, o filósofo, matemático e físico francês Blaise Pascal foi acometido por uma forte dor de dente que só diminuiu depois que ele, em um ato de desespero, tentou se distrair resolvendo vários problemas sobre a ciclóide, curva que se tornou conhecida como “Helena da Geometria”, tantas foram as disputas causadas por ela entre os geômetras.

Relataremos como a dor de dente de Pascal mudou o curso da história, levando Huygens à construção de um pêndulo isócrono. Trata-se de um episódio fascinante da história da ciência onde não só a genialidade e o trabalho árduo de um cientista estiveram presentes, mas também o acaso conspirou a favor.

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Resenha

Prof. Dr. Carlos Farina de Souza

A edição de junho do programa Ciência às 19 Horas, organizado mensalmente pelo IFSC, contou com o Prof. Dr. Carlos Farina de Souza, docente do Instituto de Física da UFRJ, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, para falar da vida e obra do matemático, físico e astrônomo holandês, Christiaan Huygens, um dos mais proeminentes cientistas do Século XVII. A palestra de Carlos Farina de Souza realizou-se no dia 19 de junho, pelas 19 horas, no Auditório Prof. Sérgio Mascarenhas (IFSC-USP) e foi subordinada ao tema Christiaan Huygens, a Helena da geometria e o tempo aprisionado.

Nascido em berço de ouro, no ano de 1629, na Holanda, Christiaan Huygens cresceu no seio de sua família abastada, sempre rodeado de inúmeras personalidades influentes na área científica, social e política, o que terá contribuído para que se tornasse uma das maiores figuras nas áreas da matemática, astronomia e física, tendo, inclusive, desenvolvido novos conceitos que viriam a ser utilizados para uma melhor observação do céu, através dos telescópios.

Embora não tenha sido o percursor do telescópio, Galileu conseguiu observar coisas incríveis no céu e percebeu que aquilo que parecia perfeito, à primeira vista, afinal não era: o Sol tinha uma enorme mancha escura, a Lua afinal não tinha uma superfície lisa, Júpiter tinha luas em seu redor, etc. Por seu turno, Huygens tentou, então, criar telescópios com maior alcance e precisão, por forma a descobrir coisas que Galileu não tinha condições de fazer. Desta forma, Huygens dedicou-se a matematizar a Natureza e, com seu trabalho, se tornou, talvez, no primeiro físico-matemático da história, tentando responder a qualquer questão que se apresentasse em forma de enigma; o intuito dele era responder às questões deixadas por terceiros e sempre apelava à matemática como a linguagem privilegiada para dar resposta a essas questões existentes na sua época.

Huygens criou coisas tão fantásticas, que mesmo hoje, ao se rastrear os primórdios de determinados temas, vê-se que existe a semente de Huygens, como explica o Prof. Farina de Souza: É verdade. Por exemplo, o caso das tangentes e curvas que ele chamou de evolutas e involutas, e que deram origem à atual geometria diferencial. Várias coisas começaram com ele, sempre na tentativa de responder a problemas físicos, utilizando a matemática.

Huygens também se destacou na astronomia, principalmente devido ao fato de ter desvendado o mistério de Saturno. De fato, no Século XVII ninguém conseguia entender ou explicar o que acontecia com aquele planeta, que apresentava diversas formas ao longo do tempo. Galileu chegou a pensar que a mudança de forma poderia estar relacionada com a existência de um sistema de três estrelas, mas, de fato, seu telescópio não tinha uma resolução eficaz para fazer uma observação mais pormenorizada. Então, Huygens consegue perceber, pela primeira vez, que ao redor de Saturno existia um anel que não tocava no planeta e isso causou uma verdadeira surpresa na comunidade acadêmica mundial. Huygens explicou, então, que de acordo com o movimento do planeta, a projeção do anel sofria variações angulares. Contudo, todo esse trabalho do cientista holandês demorou anos para se concretizar, por forma a ter a plena certeza de sua descoberta.

Porém, Huygens é essencialmente um físico-matemático e durante cerca de quatro décadas de sua vida ele tentou aprimorar relógios e cronômetros marítimos, que era algo bastante importante para a época, atribuindo-se a ele o primeiro relógio de pêndulo, que, inclusive, originou uma patente. Contudo a maior obra do cientista holandês foi o Horologium Oscillatorium, conforme explica o Prof. Farina de Souza: Sim, essa foi a maior obra de Huygens. O Horologium Oscillatorium é um trabalho que foi publicado em 1673 e embora o nome sugira que seja apenas um tratado sobre relógios, o certo é que esse trabalho é muito mais que isso, já que essa obra contém cinco partes, em que uma delas é uma descrição de relógio, enquanto que na maior parte das outras áreas são descritas as tais definições evolutas e involutas. Huygens generaliza resultados de Galileu no movimento de partículas sobre superfícies curvas, e praticamente ele enuncia, pela primeira vez, a conservação da energia mecânica. Nesse trabalho, o cientista holandês conclui uma conta realizada por Galileu relacionada a força centrífuga, além de, igualmente pela primeira vez, falar do momento de inércia, que é um fator importante no contexto do movimento de rotação, já que não bastava saber qual era a massa do corpo, mas também saber como essa massa estava distribuída. E, nesta particularidade, Huygens queria analisar um relógio de pêndulo, sabendo que o cordão desse pêndulo possuía massa e que essa massa não estava apenas concentrada na esfera de metal. Esse raciocínio demonstra que Huygens sempre se baseava em um problema de física para ir mais além e realmente este trabalho Horologium Oscillatorium é verdadeiramente espetacular, comenta nosso entrevistado.

Sendo uma figura proeminente na ciência mundial, Huygens é devidamente estudado pelos jovens estudantes brasileiros? A esta pergunta, Farina de Souza responde, sim. E a afirmativa vem exemplificada através do denominado Princípio de Huygens, que aparece em um tratado de óptica chamado Tratado da Luz, que é, segundo o nosso entrevistado, uma obra-prima: Todos os estudantes do ensino médio já ouviram falar desse princípio, porque ele afirma que quando você tem uma frente de onda , por exemplo, gerada por uma pedra que é jogada num lago – , para saber a frente de onda, no instante posterior, você imagina que cada ponto de uma frente de onda é fonte de uma onda secundária, e a envoltória das diversas ondas secundárias corresponde à frente de onda no instante posterior. Então, esse é um princípio qualitativo em que você consegue explicar várias coisas, como a lei da reflexão. lei da refração, etc. No ensino médio, tudo que se sabe sobre Huygens se resume a esse princípio, mas ele é muito mais que isso. Huygens poderá não ser tão conhecido, ou seu nome não constituir grande impacto, principalmente porqaue ele ficou um pouco ofuscado pelo genial Newton, cuja diferença de idade era de treze anos apenas. Contudo, Huygens é um dos maiores cientistas do Século XVII e o próprio Newton nutria por ele forte admiração, pontua Farina de Souza.

Na divulgação desta palestra do Prof. Farina de Souza, é referido que uma dor de dente do filósofo, matemático e físico francês, Blaise Pascal, mudou o curso da história, levando Huygens a construir o primeiro pêndulo isócrono. Com um sorriso largo no rosto, Farina de Souza afirmou que esse parágrafo apenas constituía uma forma de criar curiosidade no auditório. De fato, segundo explicou nosso entrevistado, o pêndulo isócrono é um pêndulo que tem um período de movimento independente de sua amplitude de oscilação, ou seja, quando se solta, seja de que forma for, ele tem sempre o mesmo período, o que não acontece com um pêndulo normal, que é isócrono apenas para pequenas amplitudes de oscilação. Huygens sabia que havia necessidade de colocar obstáculos laterais, encostando o fio do pêndulo, porque conforme o pêndulo vai oscilando, o fio vai encostando-se a esses obstáculos: é como se o pêndulo ficasse com um comprimento mais curto. Então, Huygens sabia que, independente do obstáculo, poderia compensar o período. Mas, a pergunta surgiu quase que imediatamente: que forma deveria ter esse obstáculo? O cientista holandês tentou achar a resposta, de uma forma empírica, mas não conseguiu e parou por aí. O que viria a seguir foi bastante curioso, conforma relata o Prof. Farina de Souza:

Blaise Pascal, que havia abandonado a ciência para se dedicar a retiros espirituais e religiosos, foi acometido por uma dor de dente insuportável. Com o intuito de tentar se abstrair de tão forte dor, Pascal decidiu se concentrar em determinadas questões científicas, na esperança de que, com isso, a dor diminuísse. Uma das questões que ele procurou se concentrar foi em uma determinada curva, designada cicloide, problema esse que foi repassado para ele por outro matemático e teólogo, Padre Mersenne. Pascal ficou tão concentrado na resolução desse problema que sua dor de dente sumiu e ele interpretou esse fato como um sinal divino, como uma mensagem de que ele deveria continuar a pensar na resolução do problema da ciclóide. De fato, Pascal resolveu muitos problemas relacionados à cicloide, mas, entretanto, levantava novas questões e, em vez de as publicar, o cientista francês resolveu fazer um concurso que chamou a atenção de inúmeros físicos e matemáticos, entre eles Huygens. Huygens não participou diretamente nesse concurso, mas manteve assíduos contatos escritos com Pascal, trocando informações sobre o tema, o que o transformou num perito sobre o assunto cicloide. Quando Huygens parou de pensar no concurso, chegou à conclusão que a curva que tão insistentemente procurava para resolver seu problema do pêndulo isócrono, era, afinal, a ciclóide, conclui Farina de Souza.

(Rui Sintra, jornalista)

Christiaan Huygens, a Helena da geometria e o tempo aprisionado
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Christiaan Huygens, a Helena da geometria e o tempo aprisionado

12 de março de 2018

A origem da Física no Brasil e os 25 anos do MCT

Em 2010, comemorou-se o vigésimo quinto aniversário de fundação do Ministério de Ciência e Tecnologia, o MCT, um dos órgãos da administração federal que mais se destacou na última década. O objetivo desta palestra é duplo. O primeiro deles consiste em descrever a origem da física no Brasil, e o segundo discutir os principais eventos que estiveram presentes na elaboração do projeto desse ministério, enfatizando a participação de físicos como, por exemplo, José Leite Lopes (1918-2006) e Jayme Tiomno (1920-2011). A tese, que pretendemos defender, é que, mais do que construir um ministério, o propósito que os animava era propor e defender um projeto de nação.

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A origem da Física no Brasil e os 25 anos do MCT
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A origem da Física no Brasil e os 25 anos do MCT