O Instituto de Física de São Carlos (IFSC/USP) levou a efeito no dia 20 de junho mais uma edição do Programa “Ciência às 19 Horas”, dessa vez com a participação do Prof. Marcos Buckeridge* (Instituto de Biociências da USP), que dissertou sobre o tema “Do etanol ao hidrogênio: 120 anos de pesquisa no Brasil”.
Em sua apresentação, o Prof. Buckeridge contextualizou a evolução dos acontecimentos que levaram o Brasil a estabelecer a cana-de-açúcar como cultivo de bioenergia. De fato, faz parte da história da ciência, bem como de tentativas bem-sucedidas e fracassadas de políticas públicas nos séculos XIX, XX e XXI. Os eventos começaram com uma política pública do Governo Imperial em 1859, apoiando a produção de açúcar a partir da cana-de-açúcar. Em 1931, o Brasil aprovou uma lei para adicionar 5% de etanol à gasolina, o que levou à criação do pró-álcool programa em 1969. Após a primeira fase, que envolveu esforços do Governo e do engenheiros (1959-2000), a segunda fase (2000 até hoje) foi mais voltada para a ciência.
Em meio de tentativas frustradas e bem-sucedidas de distribuir etanol como combustível em todo o país em 1980, o Brasil produziu carros “flex” nos anos 2000. No início do século XXI, a bioenergia e as ciências da cana-de-açúcar levaram o país a uma posição de liderança em pesquisa na área. O Brasil já atingiu o estágio de bem estabelecido e continua melhorando continuamente a produção comercial de bioetanol de segunda geração. Entre os próximos desafios estão a consolidação da engenharia biológica da cana e o estabelecimento de sistemas de larga escala de reforma do etanol para produção de hidrogênio, que podem se conectar etanol à eletrificação.
(In Vecteezy)
Segundo o pesquisador, até agora o Brasil foi capaz não só de produzir o etanol a partir do açúcar da cana, como distribui-lo pelo país inteiro, sendo o único país que tem uma distribuição de etanol em todo o seu território. Atendendo a que o problema da produção de etanol de 1ª geração está praticamente resolvido, a geração da 2ª geração – que é o uso da biomassa da palha da cana que sobra no campo, e do bagaço que sobra na indústria -, tem um desafio muito grande, segundo o pesquisador. “Há 10 ou 15 anos atrás tivemos um desafio muito grande, que foi conhecer a estrutura química desse material por forma a descobrir como quebrá-lo, isso de uma forma comercialmente viável. E, foi a partir de 2005 que vários grupos de pesquisa no mundo se dedicaram a trabalhar para resolver esse problema, e estamos muito perto dessa resolução. O caminho escolhido para degradar a biomassa foi o uso de enzimas, que são proteínas que degradam os carboidratos – neste caso, a celulose. Essas enzimas são produzidas por microrganismos, insetos e pelas próprias plantas, sendo que para você fazer a chamada “hidrólise”, que é a quebra desse material, geralmente são utilizadas enzimas de microrganismos”, salienta o Prof. Bruckeridge.
Hoje, apenas uma empresa no mundo, sediada na Dinamarca, produz enzimas de forma comercial, que são utilizadas para fazer o etanol de 2ª geração. Contudo, na última década, os cientistas do mundo inteiro – com destaque para o Brasil, EUA e Europa – dedicaram-se fortemente não só a descobrir novas enzimas, como, também, a avançar com novos processos de engenharia para a criação de enzimas não-naturais, construindo dessa forma coquetéis enzimáticos que se tornaram cada vez
(In “EU Observer”- Imagem Yadid Levy)
mais eficientes. “O Brasil produz cerca de 30 bilhões de litros por ano de etanol de 1ª geração, sendo que no que diz respeito à 2ª geração o nosso país é o único no mundo que venceu essa aposta. Um exemplo disso é a empresa “Raizen”, instalada em nosso país, que produz cerca de 100 milhões de litros de etanol anualmente, usando bagaço, tendo já anunciado a construção de mais vinte usinas para a produção de etanol de 2ª geração”, pontua o pesquisador.
Neste momento, o mundo e a Europa, principalmente, optaram por escolher a energia elétrica para todo o sistema automotivo até 2050, afirmando que não irão produzir mais nenhum carro com motor a combustível. Porém, de onde se vai buscar essa eletricidade? “O Brasil entra de novo nesse jogo, já que ele pode pegar o etanol e iniciar o processo chamado “Reforma do Etanol”, algo que está sendo estudado aqui em São Carlos, no Instituto de Química da USP. Esses estudos têm o foco de se descobrir como quebrar a molécula do etanol para produzir hidrogênio, que pode ser utilizado para a produção de eletricidade, e aí ele entra na cadeia de eletrificação”, elucida o pesquisador. Contudo, segundo os engenheiros, a utilização do hidrogênio para produzir eletricidade, por exemplo, para carros de passeio, não é muito viável. “Se você já produziu etanol, para que é que vai quebrá-lo para produzir hidrogênio e a partir daí produzir eletricidade? Esse é um problema que os europeus irão enfrentar no futuro muito próximo. Contudo, como a Europa vai ter uma demanda muito alta de hidrogênio para produzir eletricidade, o Brasil está em excelentes condições para exportar o seu etanol, tendo em consideração que se deverá equacionar primeiro o problema relativo ao transporte desse gás, que é complexo, atendendo a que ele é constituído por um átomo muito pequeno, que atravessa tudo, inclusive as estruturas metálicas que são utilizadas para armazenar gases”, alerta er conclui o Pro. Marcos Buckeridge.
*Marcos Buckeridge é professor titular do Departamento de Botânica do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (USP) e é membro titular da Academia Brasileira de Ciências (ABC) e da Academia de Ciências do Estado de São Paulo, da qual foi presidente por duas vezes.
Buckeridge é reconhecido por sua contribuição na área de biologia vegetal, especialmente em estudos sobre a fisiologia, bioquímica e genética de plantas. Ele é autor de diversos artigos científicos publicados em periódicos nacionais e internacionais e de livros na área de biologia vegetal. Sua pesquisa se destaca nas áreas de biodiversidade, mudanças climáticas e bioenergia.
Foi membro do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas, Diretor Científico do Laboratório Nacional de Biorenováveis e, mais recentemente, Diretor do Instituto de Biociências da USP.
Além de sua pesquisa, Buckeridge tem se destacado por sua atuação na divulgação científica, participando de diversos programas de televisão, dando entrevistas em jornais e revistas e escrevendo artigos para o público em geral. Ele também tem se dedicado a iniciativas de educação ambiental e de divulgação científica para crianças e jovens.
Para assistir à gravação desta palestra, acesse o Canal Youtube do Programa “Ciência às 19 Horas”
Rui Sintra – Jornalista – IFSC/USP