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16 de março de 2018

Das margens para o centro: A história da segunda revolução quântica

Na última palestra de 2016, inserida no programa Ciência às 19 Horas, coube ao Prof. Dr. Olival Freire Jr., docente e pesquisador da Universidade Federal da Bahia (UFBA) dissertar sobre o tema Das margens para o centro: A história da segunda revolução quântica. O título desta palestra foi propositalmente enigmático, remetendo para aquilo que alguns chamam de 2ª revolução quântica, que, na verdade, é um conjunto de conceitos e técnicas que se tornaram disponíveis nos anos 60, 70 do século XX, em contraposição com a primeira revolução que aconteceu no início desse mesmo século.

Essa 2ª revolução quântica, que teve enormes impactos na ciência e que promete outros ainda maiores, promete uma alteração no modo de processamento na área de informação quântica. De fato, segundo o palestrante, são apenas promessas. Essa área de informação quântica é hoje uma área da física muito quente, já que aconteceram atividades que foram desenvolvidas às margens da física. Não eram atividades, nem pesquisas muito bem valorizadas ou consideradas: eram pesquisas que trabalhavam com teorias chamadas heterodoxas, que na física podem representar o final da carreira de um jovem físico – se ele se dedicar excessivamente a trabalhos desse tipo, por exemplo.

A ideia de margem e centro é muito usual na ciência, para distinguir o que é mainstream, como explica Olival Jr: O que significa aquela agenda de pesquisa que é perfeitamente bem valorizada numa comunidade científica e o que é que são os temas que não são muito bem considerados, por razões diversas? Procuro sempre argumentar que parte dos conceitos essenciais do que chamamos de 2ª revolução quântica foi formulada num contexto de controvérsias, num contexto em que alguns desses proponentes eram muito mal considerados na comunidade dos físicos, na comunidade científica. Hoje, são altamente bem considerados, recebem premiações e tudo mais. Mas, por que o meu interesse nisso? Não é propriamente um interesse de trazer à luz alguém que foi valorizado na sua trajetória, embora isso seja importante, mas acima de tudo também valorizar e destacar, na ciência, aqueles que, no seu devido tempo, não tiveram destaque. Mas, o meu principal interesse é mostrar que esse é um bom caso para a gente compreender o quão complexa é a atividade científica. Então, ele, para mim, serve como um bom argumento contra qualquer visão simplista do que seja a atividade científica. O que é que eu chamo de atividade simplista? Tipicamente você pensa Não! Ciência é você fazer os dados experimentais, a partir daí extrair uma teoria e por aí afora. Não é assim. Ciência envolve muita conjectura, muita imaginação. Ciência tem uma atividade com uma dimensão social: o modo como você, jovem estudante, se relaciona com os seus colegas, o modo como você entra numa controvérsia. Então, o desenvolvimento da história da ciência, portanto, é um fenômeno tão complexo quanto os fenômenos complexos que a própria ciência estuda, enfatiza o pesquisador.

Quando se fala em renovação da pesquisa sobre os fundamentos da física quântica, isso tem muito a ver com a pergunta anterior, ou seja – e uma vez mais -, das margens para o centro. O palestrante gosta de citar um tema que, tipicamente, estava nos fundamentos da teoria quântica e que, por altura dos anos 50, era considerado um tema morto na ciência, um tema do qual ninguém iria extrair nada interessante. Então, qual era o tema? O tema era o seguinte: será que você pode alterar/modificar a teoria quântica, introduzindo mais variáveis? Essas variáveis são chamadas de variáveis escondidas – que para o palestrante é um nome péssimo, mas que se consagrou na literatura: escondidas em relação às que já são usadas pela teoria.

Será que você pode introduzir essas variáveis adicionais e, mesmo assim, preservar o poder preditivo da teoria quântica? E se você introduzir, isso trará alguma informação nova? Esse tipo de tema era completamente fora do escopo da física, na altura da década de 50. Poucas pessoas brilhantes se preocupavam com isso, sendo que o mais notável deles era Einstein. Na década de 50, outro notável também se dedicou a isso – David Bohm. Certamente, esse era considerado um tema de filosofia. Portanto, um tema fora da física. E foi justamente em torno desse tema que surgiu, quinze anos depois, o chamado Teorema de Bell, um teorema que estabeleceu com precisão quais alterações poderiam ser feitas na teoria quântica, sem a comprometer, e quais alterações que, ao serem feitas, colidissem com a própria teoria quântica. E o Teorema trouxe uma surpresa fenomenal. A surpresa é que, na altura em que ele começou a ser compreendido, no final dos anos 60, se percebeu que não existia um único teste já feito que permitisse fazer aquele contraste previsto pelo Teorema. Então você teve, a partir do início dos anos 70, uma série de experimentos que continuam ainda hoje… esses experimentos todos confirmaram as predições da teoria quântica e, portanto, invalidaram o tipo de teoria modificada que o próprio Bell tinha expectativa… mas o resultado de todo esse processo foi a consolidação, entre os físicos, de um novo fenômeno físico, chamado Emaranhamento Quântico. E é exatamente o Emaranhamento Quântico que é uma das propriedades centrais hoje, na pesquisa em informação quântica. É uma revolução nesse sentido… de uma posição marginal para uma posição muito importante na agenda de pesquisa dos físicos, sublinha Olival Jr..

No resumo de sua palestra, o Prof. Olival Freire Jr. optou por mencionar a frase revolução quântica, em vez de ter escolhido atualização, ou mesmo mudança. Para o palestrante, essa escolha teve o intuito de provocar, mas provocar no sentido delicado. Profissionalmente, eu sou historiador da ciência, mas graças à minha formação em física, ensino essa disciplina, mas meu doutorado foi de história da ciência e, portanto, eu trabalho sistematicamente nessa vertente. Portanto, como historiador da ciência, uso com muito cuidado o termo revolução científica, mesmo para me referir a revolução que todo mundo acha que foi uma revolução lá do Galileu, do Newton… A história da ciência mostra que teve muitos elementos de continuidade entre a física do final do período medieval e a física do Galileu. O problema não foi tão revolucionário quanto pensamos. Então, eu profissionalmente me contenho. Mas eu precisava atrair um pouco a atenção. Mas aí você vai ver que no resumo, eu disse que o termo “revolução quântica” não é meu, mas sim de um grande físico que tem relação com o Instituto de Física de São Carlos, que é o Alain Aspect, que é colaborador do Prof. Vanderlei Bagnato.

Nesse caminho, Olival Freire Jr, está convicto que a divulgação científica se transformou numa atividade, não sem antes ter apresentado uma explicação: a atividade científica tem uma história maior do que se imagina,  ganhou muita força nos últimos 40, 50 anos: Mas, já que falei do Galileu e do Newton, quero dizer que com toda a abertura que se teve no século dezessete para se pensar num universo maior, num universo infinito, ali já começaram as atividades de divulgação científica. E alguns desses divulgadores são grandes filósofos, grandes escritores. O Fontenelle foi um deles, mas um que eu gosto de citar é Voltaire. Voltaire tem uma explicação do que é a física newtoniana, que está traduzida em português. Ele sai da França e vai para a Inglaterra e se encanta com a liberdade que tinha nesse país. E com a mecânica newtoniana, ele ainda escreve uma obra. Pouco depois, todo o projeto da Enciclopédia, os chamados enciclopedistas – Encyclopédie -, dirigida pelo Jean le Rond d’Alembert, é um projeto de divulgação científica. Então, eu acho que, desde quando a ciência se tornou algo mais complexo ou pelo menos do século dezessete em diante, fazer com que o mundo da cultura, o mundo da arte, da literatura, o mundo do cidadão comum, compreenda o que se passa na ciência, quais são as ideias que estão presentes nela, na técnica, se tornou um desafio importante. Nos últimos 50 anos, aí eu diria particularmente depois da 2ª Guerra Mundial – porque acho que a 2ª Guerra Mundial mudou drasticamente a relação da ciência com a sociedade -, com a produção particularmente da bomba atômica, mas não só (a produção do radar também é um produto da 2ª Guerra), tudo isso colocou na ordem do dia a ideia de que a cidadania hoje requer que você tenha algum grau de informação sobre a ciência. E isso que eu estou dizendo não é uma ideia minha, mas de alguém que foi um dos reitores da Universidade de Harvard, um químico chamado James Conant, continua o palestrante, acrescentando que Conant, após a 2ª Guerra, participou do projeto Manhattan.

Quando acabou a 2ª Guerra, Conant passou a organizar cursos que eu chamaria de divulgação científica, mas eram cursos de história e filosofia da ciência, para os graduandos da Universidade de Harvard. Então, é nesse sentido que a divulgação científica  é muito importante. No caso do Brasil, e também no resto do mundo, ela tem uma responsabilidade adicional. É que parte da ciência tem que ser financiada por recursos públicos. Se o público não entende o papel da ciência, o impacto da ciência na sociedade, o financiamento da ciência vira uma coisa de mecenas ilustrados. Nós temos exemplos importantes em que, no caso dos EUA, aquele super collider, aquele acelerador, que em 1993 o congresso americano tomou a medida de fechar porque não era importante. Aquilo ali, provavelmente, vai passar para a história, porque a obra já estava bem adiantada e ficou lá, abandonada. Também se discute que destino dar àquela obra fenomenal. Então, eu acho que a divulgação científica também tem essa dimensão. Se nós queremos que a atividade científica tenha continuidade no nosso país,é preciso que haja recursos públicos.Veja, eu estou em São Paulo e poderia falar do meu estado, que também não compreende muito bem o papel da ciência, mas recentemente nós tivemos um importante político em São Paulo que pôs em dúvida a importância das pesquisas financiadas pela FAPESP. Então, quando eu digo que a sociedade precisa compreender o papel da ciência, é porque, a sociedade, compreendendo, nossos representantes (no judiciário, no mundo político) também vão entender mais. E nesse sentido eu acho que vocês, aqui na USP de São Carlos, têm tido um papel muito importante de vanguarda nesse esforço de divulgação científica, conclui Olival Freire Jr.

(Rui Sintra – jornalista)

16 de março de 2018

A Mecânica quântica através de exemplos simples

A Mecânica quântica através de exemplos simples, foi o título da palestra realizada no final da tarde do dia 12 de abril, no Auditório Prof. Sergio Mascarenhas (IFSC/USP), um evento inserido no programa Ciência às 19 Horas, tendo-se contado com a presença o Prof. Amir O. Caldeira, docente e pesquisador do Instituto de Física Gleb Wataghin / UNICAMP.

A partir de experimentos que apresentavam resultados surpreendentes no contexto da mecânica de Newton e do eletromagnetismo de Maxwell, os pesquisadores do começo do século passado se viram obrigados a formular hipóteses revolucionárias que culminaram com a elaboração de uma nova física capaz de descrever os estranhos fenômenos que ocorriam na escala atômica; a mecânica quântica.

Esta teoria, com a sua nova conceituação sobre a matéria e os seus intrigantes postulados, gerou debates não só no âmbito das ciências exatas, mas também no das outras áreas do conhecimento, provocando assim uma grande revolução intelectual no século XX.

Nesta apresentação, o palestrante introduziu, através de exemplos simples (na realidade, fictícios), alguns fenômenos quânticos de forma acessível a uma audiência de não especialistas, tendo o convidado sublinhado a estranheza desses fenômenos através de conceitos que são familiares no nosso cotidiano, isolando assim qualquer dificuldade proveniente do conhecimento técnico necessário para o entendimento de experimentos mais realistas.

Mas, de que forma é que se consegue entender a mecânica quântica sem se utilizar conceitos acadêmicos e/ou científicos? Na opinião de Amir Caldeira, em geral, quando um docente ou pesquisador encara um texto de divulgação em qualquer área da física, principalmente em mecânica quântica (que é algo meio fora do nosso dia-a-dia), é muito difícil passar para o público leigo o quão inusitada é a área e é nesse momento que se inicia uma explicação sempre recheada de jargões científicos. Aí, você fala, explica o fenômeno e a pessoa não consegue dar conta de quão estranho ele é. Em minha opinião, é preciso buscar alguma coisa que as pessoas entendam e que faça parte do seu dia-a-dia, explica nosso convidado.

De fato, quando esse diálogo surge, Amir Caldeira explica que, no seu caso, ele cria situações, como se fossem pequenos jogos, simples brincadeiras, até utilizando cores: Eu ilustro com o seguinte exemplo : consideremos que um objeto emita som e seja vermelho. Se for medir o som desse objeto, você constatará que ele é sonoro e, se observar sua cor, ele é vermelho. Isso é simples. Mas, na mecânica quântica isso pode não acontecer. Quando você faz uma medida, você pode perder completamente a informação que tem sobre a outra. Então, se você viu que o objeto é vermelho e depois constatou que ele é sonoro, em uma próxima medida de cor este mesmo objeto pode se revelar azul. Por outro lado, se eu falo do momento magnético de um objeto na direção X ou Z, ninguém entende, porque não faz parte do dia-a-dia das pessoas e quase ninguém sabe o que é um momento magnético. As pessoas não têm conhecimento dos termos físicos. Eu notei isso com um médico amigo meu. Ele estava surpreso, porque havia lido uma reportagem num jornal sobre o problema da dilatação do tempo na teoria da relatividade. Mas como que o tempo não é uma coisa absoluta? A pessoa pode viajar no espaço, voltar e estar mais novo do que o próprio filho. Isso choca! Daí eu quis passar para esse amigo meu algumas coisas de mecânica quântica e ele não se surpreendia. Ele era médico e tinha feito química no vestibular. Então ele tinha algum conhecimento em química. Eu falava: ‘Lembra o que você aprendeu em química? Aqueles níveis atômicos?’. Daí ele dizia: ‘Lembro, lembro…’.E eu acrescentava : “Pois é! Não é estranho? “. Não o chocou, mas o tempo dilatando o havia chocado. É nessa hora que você tem que buscar exatamente o termo correto e trazer para o cotidiano da pessoa um determinado fenômeno e como esse mesmo fenômeno seria lá no microcosmo. Aí, então, você pode se chocar , sublinha o pesquisador.

Para o palestrante, é extremamente importante que as pessoas consigam compreender a mecânica quântica e os fenômenos nela envolvidos e isso por dois motivos: o primeiro, para que se desmitifique o tema. Já que ele é inusitado e que seus efeitos são estranhos, as pessoas tendem a relacioná-lo com esoterismo e coisas do tipo, o que para Amir Caldeira é perigoso. Em segundo lugar, a ideia de levar ao público esta palestra é mostrar que, apesar de apresentar esses efeitos estranhos, tudo isso é algo que se mede no laboratório: Toda a mecânica quântica é fundamentalmente ligada à teoria de medir. Isso é fundamental na mecânica quântica. Então não é uma coisa esotérica. É uma coisa muito concreta e a sua estranheza só surge devido ao fato de não conseguirmos descrevê-la com termos não conflitantes porque só sabemos, por exemplo, o que é partícula ou onda. Na hora de juntar essas duas coisas, fica meio complicado. Mas essa é uma das razões pelas quais você deve mostrar que a mecânica quântica tem consequências reais. Isso que você está usando depende de dispositivos que envolvem física quântica. Quando você fala de um computador, um LED usado em TV, ou um CD Player, você está falando de objetos que dependem dela. É sempre bom lembrar que o laser, já tão popular em inúmeras aplicações, é algo que não existiria sem a mecânica quântica. Então, a nossa tecnologia high-tech depende fortemente dessa disciplina, enfatiza Amir Caldeira, acrescentando que é fundamental uma pessoa saber que aquilo que ela usa no cotidiano é mecânica quântica. “Agora, como a mecânica quântica tem desdobramentos fora do cotidiano, a minha ideia é passar o que é isso, o quão estranho é – e que é estranho mesmo -, mas explicar que a natureza funciona desse jeito.

A origem da palestra de Amir Caldeira surgiu há algum tempo, quando o pesquisador deu uma palestra para introduzir o conceito de informação quântica para pessoas que atuam em sociologia, psicologia e em várias outras áreas. Mas, para falar de informação quântica, que é algo muito novo e que está começando a engatinhar, o palestrante tinha que explicar um pouco de mecânica quântica. Então, a ideia foi introduzir esta área que é muito mais complicada para então conectá-la à teoria de informação e finalmente mostrar como determinados efeitos quânticos bastante inusitados podem ter desdobramentos surpreendentes nesta área.

(Rui Sintra – jornalista)

16 de março de 2018

Surpresas do Mundo Quântico: o olhar do Prof. Dr. Luiz Davidovich

Quando usualmente se fala em transistores, lasers e RMN (ressonância magnética nuclear), não há qualquer tipo de dificuldade em identificar essas denominações, pois elas estão intrinsecamente ligadas às extraordinárias descobertas feitas no século XX. Passada que é a primeira década do século XXI, o mundo científico não quer abrandar a verdadeira revolução que iniciou há cerca de cem anos: o que era inovação ontem, está desatualizado hoje. A velocidade com que a ciência avança em todas as áreas do conhecimento é impressionante. Embora a física tenha também contribuído – e bastante – para esse incrível turbilhão tecnológico, o certo é que século XXI traz com ele alguns enigmas que estão ligados ao rápido desenvolvimento científico e na procura por mais e melhor. E um dos exemplos de enigmas na física reside nos efeitos quânticos que, por enquanto, ainda não apresentam todas as respostas para os cientistas.

Para debater conosco este tema e suas particularidades, conversamos com um dos mais eminentes físicos brasileiros, o pesquisador, Prof. Dr. Luiz Davidovich, que, por ocasião da segunda edição da SIFSC – Semana Integrada do Instituto de Física de São Carlos, participou no habitual programa intitulado Ciência às 19 Horas, que ocorreu no dia 16 de outubro, através da palestra subordinada ao tema Surpresas do Mundo Quântico.

 

O fenômeno do Emaranhamento

De fato, existem ainda questões em aberto na física quântica, relacionadas com problemas antigos que foram formulados em 1935 por Einstein, Podolsky e Rosen, através de um famoso artigo científico que resultou do designado Paradoxo de EPR, no qual se levantou um dos problemas mais fundamentais da teoria quântica – saber se a mecânica quântica era uma teoria completa, ou se, pelo contrário, continha variáveis escondidas que tinham a ver com o fenômeno do Emaranhamento. Segundo Davidovich, esse fenômeno tem ocupado as mentes dos físicos durante décadas e provocou inúmeras discussões filosóficas entre os anos de 1935 e 1960.

Só em 1964 é que foi possível dar uma formulação matemática a todos esses debates, através da teoria de John Stewart Bell, que, no meu entender, foi uma das grandes contribuições da física no século XX. O que despertava a curiosidade e atenção dos físicos e filósofos dessa época era o fato de que o fenômeno do Emaranhamento, que Einstein classificou como fantasmagórico, poderia talvez ser explicado pela teoria designada de variáveis escondidas: por outras palavras, o Emaranhamento estava associado a correlações muito fortes entre dois objetos e acreditava-se que talvez uma teoria alternativa de física quântica poderia explicar essas correlações, comenta o pesquisador.

De fato, em 1964 John Bell mostrou que havia experimentos que poderiam diferenciar as previsões da teoria quântica e as previsões dessas teorias alternativas. Os experimentos foram realizados e estabeleceu-se que, de fato, as teorias alternativas não eram adequadas para descrever esse fenômeno. Ganhou-se, nos últimos anos, uma enorme compreensão sobre esse fenômeno do Emaranhamento, mas ainda há questões em aberto, conforme explica Davidovich.

Einstein, Podolsky e Rosen referiam-se ao Emaranhamento entre duas partículas, entre dois corpos. Hoje, são produzidos estados emaranhados de muitas partículas. Por exemplo, em laboratórios na Áustria, são produzidos estados emaranhados de catorze átomos. Como entender a matemática desses estados, como classificar o emaranhamento desses estados? Como ordenar esses estados de acordo com a quantidade de emaranhamento que possuem? Tudo isso é uma questão em aberto na física e na matemática e por isso é interessante verificar que essas questões, tão básicas da física contemporânea, encontram ainda sérios desafios muito fortes.

Também apareceram novas ideias para futuras aplicações, que envolvem a criptografia e o aparecimento dos computadores quânticos, tendo como base os trabalhos vencedores do Prêmio Nobel da Física – 2012, da autoria do francês Serge Haroche e do americano David Wineland, que conseguiram manipular partículas quânticas sem as destruir. Para o Prof. Luiz Davidovich, essa história não está bem contada, pois os media ainda não souberam explicar, de forma correta, esses trabalhos:

De fato, isso de manipular partículas quânticas sem as destruir tem sido noticiado da forma como refere, mas na verdade é um pouco mais complexo do que isso. Quando se detecta um fóton, a maneira usual de fazê-lo implica na destruição dele. A detecção de um fóton faz-se através de um aparelho chamado (logicamente) Fóton-Detector e ele tem a propriedade de absorver o fóton. Sabemos que o fóton estava lá a posteriori através do sinal emitido por esse aparelho, que o detectou e que o destruiu.

No grupo de pesquisa de Serge Haroche utilizaram-se experimentos que permitiram detectar, por exemplo, o número de fótons existentes numa cavidade, sem os destruir. Não é que o estado do sistema fique inalterado, como se fala, mas é uma propriedade do sistema, ou seja, é o número de fótons que fica inalterado. Você detecta esse número de fótons com átomos que passam pela cavidade, e esses átomos “sentem” que os fótons estão lá, mas não os absorvem. Isso é o que se chama de Medida Quântica Não Demolidora, porque ela não destrói, não demole os fótons que estão na cavidade. Contudo, isso não significa que o estado fique inalterado, podendo-se mostrar que esses átomos, que mantêm o número de fótons inalterado, tornam a fase – que é uma propriedade do campo eletromagnético – completamente caótica. Eles alteram a fase do campo, mas não alteram o número de fótons: são propriedades complementares, refere o nosso convidado.

 

Computadores mais velozes e códigos criptográficos inquebráveis (?)

Nesse contexto, conforme explicou Davidovich, o que se chama de Medida Quântica Não Demolidora, em geral, mais não é do que uma medida que não altera a variável que está sendo observada, mas que pode alterar completamente a variável complementar. Pode-se fazer uma Medida Quântica Não Demolidora da velocidade de uma partícula, mas para se fazer isso não se destrói a posição da partícula. Os trabalhos de Haroche e Wineland prevêem, segundo os media, que num futuro próximo possam existir computadores ainda mais velozes e códigos criptográficos inquebráveis. Estas afirmações obrigaram-nos a questionar nosso entrevistado se essa é uma afirmação correta e o que estará para vir depois disso. Enfaticamente, Luiz Davidovich dividiu a questão em duas partes, debruçando-se primeiramente nos códigos inquebráveis ou invioláveis, explicando que a designada criptografia quântica permite a transmissão daquilo a que se chama usualmente de chaves criptográficas: então, o que é uma chave criptográfica?

Quando queremos enviar uma mensagem para uma pessoa amiga que está longe, e queremos codificar essa mensagem, precisamos ter uma chave para fazer isso. E o importante é que ambas as pessoas tenham essa chave – a pessoa que envia a mensagem e a pessoa que vai recebê-la, para decodificá-la. Por isso mesmo, enviar chaves de um lugar para o outro é o ponto crucial dessa operação, referiu Davidovich, exemplificando com o clímax transmitido por qualquer filme de suspense, já que essas chaves podem ser capturadas por um espião, que necessariamente não está interessado nas mensagens propriamente ditas. Assim, se os espiões conseguem as chaves, eles poderão ter acesso a todas as mensagens.

O que a física quântica faz é permitir enviar uma chave, de tal forma que se alguém tentar olhar para ela, imediatamente se descobre que o fez isso. Isso está baseado na propriedade fundamental da física quântica, que diz que você não pode medir o sistema sem alterá-lo. Você pode até fazer medidas que não alteram certa propriedade do sistema, mas vai alterar outra. Então, se uma pessoa tenta descobrir qual a mensagem que está sendo enviada, ela necessariamente modifica essa mensagem. Assim, tanto a pessoa que envia a chave, como aquela que a recebe, podem descobrir que houve uma observação dela e aí a chave deixa de ser confiável, pois comparando ambas elas mostram diferenças, salienta o pesquisador.

Quando perguntamos ao Prof. Luiz Davidovich se isso poderá se tornar uma realidade, o pesquisador respondeu Já é uma realidade. Com efeito, em 2007, as eleições em Genebra (Suíça) foram feitas eletronicamente e os votos foram transportados (para serem contabilizados) através da criptografia quântica. Se alguém quisesse violar um voto que fosse seria descoberto imediatamente. Segundo o nosso entrevistado, esse método está sendo usado também na Áustria e na Suíça para conectar matrizes de bancos às suas filiais, em distâncias curtas, mas esta realidade não fica por aqui.

Hoje, estão sendo feitos experimentos para o envio de chaves quânticas a grandes distâncias. Existe uma cooperação que está sendo realizada entre a China, Europa e Austrália, para fazer tudo isso através de satélites, ou seja, serão usados satélites artificiais para estabelecer chaves quânticas. Fantástico, não é? Então, essa é uma fase da informação quântica que já está sendo implantada, remata Davidovich.

Quanto à computação quântica, que é a segunda parte relacionada à primeira questão que colocamos, segundo o nosso entrevistado ela promete muito, tendo começado a despertar um grande interesse, principalmente em determinadas agências governamentais dos Estados Unidos da América, nomeadamente na NSA – National Security Agency, a partir do momento em que houve uma proposta de um matemático que trabalhava nos laboratórios da ATAT – American Telephone and Telegraph Corporation, que mostrou que alguém que possuísse um computador quântico poderia faturar um número em um espaço de tempo exponencialmente mais rápido do que num computador clássico. Mas, o que é faturar um número? Luiz Davidovich explica.

É decompor em números primos, explica o pesquisador. Por exemplo, 15=5×3. Até aqui, nada de anormal, todo mundo sabe isso. Agora, um número como 3.873.984, fica mais difícil descobrir os fatores primos dele. De fato, nos computadores clássicos, o melhor algoritmo conhecido hoje, para faturar um número, leva um tempo relativamente longo. Por isso mesmo, a faturação de números grandes é a base do método criptográfico muito usado atualmente – método RSA -, extremamente utilizado quando estabelecemos contato com os bancos pela Internet. Assim, quem possuir um computador quântico vai poder quebrar todos os códigos existentes e daí a preocupação da NSA.

A partir desse pressuposto, a NSA implantou uma estratégia muito interessante: ela abriu completamente o tema, sem segredos, e passou a frequentar, através de funcionários altamente capacitados, todas as conferências para as quais eram convidadas pessoas de todo o mundo. Na China, que é onde decorre a maior parte dessas conferências, lá está sempre um funcionário de alto escalão (na maioria das vezes, matemático) devidamente credenciado e identificado pela NSA. A agência americana não quer saber de mais nada a não ser verificar se alguém violou algo, por forma a poder mudar imediatamente seus códigos. Contudo, para fazer com que um computador quântico fature números com mais eficácia de que um computador convencional teria que existir uma máquina com um poder quase inimaginável.

Esse computador imaginário teria que ter 1.000 qbits, colocando esse número num estado emaranhado, o que é algo extremamente difícil, quase impossível. Agora, se vai aparecer o computador quântico baseado nas idéias atuais, para quebrar códigos, eu tenho as minhas dúvidas. Por outro lado, atualmente estão sendo feitas demonstrações muito interessantes de computação quântica, usadas para simular sistemas físicos, e nessas simulações consegue-se fazer coisas extraordinárias, como, por exemplo, simular movimentos de camadas de ar na atmosfera, o que é um tema interessantíssimo para a área de meteorologia, explica o palestrante.

 

Luiz Davidovich versus Serge Haroche

O Prof. Davidovich é amigo pessoal e um dos colaboradores brasileiros mais próximos de Serge Haroche, um dos vencedores do Prêmio Nobel da Física deste ano, e essa colaboração vem de há vinte ou vinte cinco anos. Davidovich desloca-se frequentemente a França, onde participa de conselhos de diversos organismos europeus, e propôs-se a falar um pouco sobre essa relação de trabalho com o pesquisador francês, que remonta ao ano de 1986, quando Luiz Davidovich ainda estava na PUC do Rio de Janeiro.

Foi graças a uma licença sabática que decidi ir para França, onde passei um ano com a equipe de Haroche. Quando cheguei lá, a minha intenção era fazer um experimento sobre um dispositivo chamado micro-maser: o maser é um laser que funciona na região de microondas, na área da luz. O micro-maser é um maser microscópico que funciona com apenas alguns átomos de cada vez, numa cavidade ressonante, e esse micro-maser era algo baseado na transição de dois fótons. Eu achei interessante e comecei a trabalhar na teoria desse micro-maser, uma teoria que, para essa especificação, ainda não tinha sido realizada. Cheguei na França com muita vontade e trabalhei dia e noite, durante fins-de-semana: eu estava cheio de gás. Então, deparei-me com problemas de vária ordem que levaram muito tempo para resolver – inclusive, houve um problema que eu resolvi, imagine, no cinema, em plena exibição de um filme. Então, o que eu fiz foi desenvolver essa teoria e o interessante foi que ela demonstrou que o experimento que estávamos planejando com Haroche tinha que ser modificado e mais tarde comprovou-se tudo isso, na experimentação. Foi fantástica essa experiência, esse trabalho em colaboração com Haroche e sua equipe, que tinham a particularidade de ter um humor deveras refinado, extraordinário, recorda nosso entrevistado, sorrindo.

Depois desse ano na França, Davidovich começou a viajar com freqüência para aquele país, sempre trabalhando junto com Haroche e sua equipe em diversos projetos e idéias, sendo que algumas delas não passaram para a fase experimental por falta de equipamentos, mas que, mesmo assim, estão prontas para isso, como é o caso da teleportação.

De fato, o nosso artigo sobre teleportação foi o primeiro a propor o experimento e, curiosamente, mostrou que dava para fazer a teleportação fazendo uma determinada operação lógica entre átomos e campo, que na verdade mais não era do que uma porta lógica alimentada por computação quântica. Claro que na época não sabíamos isso; apenas chamávamos de porta de fase. Seguidamente, trabalhamos na designada Medida Quântica Não Demolidora, propondo experimentos; no artigo que foi feito com base nesse trabalho conjunto com a equipe de Haroche – que é um dos artigos mais citados –, tivemos a idéia de fazer um experimento que envolveria a produção de um estado do campo eletromagnético análogo ao Gato de Schrodinger, teoria datada de 1935, da autoria do físico Erwin Schrodinger. Nesse experimento seria produzido, numa cavidade, um campo que estaria numa superposição de dois estados, ou seja, uma cavidade acesa e apagada, ao mesmo tempo, uma superposição dessas duas situações. Era uma superposição que você pode interpretar, classicamente, cada uma delas – sabemos o que é uma cavidade acesa e o que é uma cavidade apagada, mas uma cavidade acesa e apagada, ao mesmo tempo, é difícil de imaginar, é impossível imaginar: é como o Gato de Schodinger, que está vivo e morto, ao mesmo tempo. No entanto, isso é uma possibilidade quântica. Na sequência desse artigo, publicamos, em 1996, um outro artigo em que mostramos como é que poderia ser medida essa superposição, mostrando, igualmente, como é que, com o tempo, essa superposição quântica estranha se transforma numa alternativa clássica. Em outras palavras, as propriedades quânticas desaparecem devido ao contato daquele sistema com o ambiente, ou seja, o ambiente destrói as propriedades quânticas. Nós provamos isso, na teoria, explica Davidovich.

Esse experimento foi feito ainda no decurso de 1996 e foi muito badalado na época, exatamente pela propriedade da perda de coerência. Davidovich e Haroche tiveram ainda uma outra cooperação na área de laser, que incidiu sobre uma teoria do laser microscópico.

Foi um trabalho intenso nessa época. Em 1994 transferi-me para a UFRJ e a partir daí dediquei-me exclusivamente á teoria, ao ponto de criar um laboratório – para pasmo da comunidade de físicos. É um laboratório para teóricos, mas com uma interligação fortíssima com a área experimental, que acolhe nomes de grandes pesquisadores. São verdadeiramente fantásticos os resultados obtidos nesse laboratório, com artigos de grande impacto publicados em diversas revistas, como, por exemplo, na Nature ou na Science, recorda o pesquisador.

A colaboração com França deu e continua a dar frutos muito importantes, principalmente para a ciência brasileira. Luiz Davidovich e Serge Haroche orgulham-se de sua amizade e continuam a trocar experiências científicas e a se visitarem mutuamente. Contudo, existem outras colaborações científicas com França, não necessariamente com o grupo de Haroche, que têm contribuído – e muito – para o desenvolvimento da ciência nacional.

E os trabalhos nas universidades brasileiras estão aí, como prova disso.

Rui Sintra – jornalista

14 de março de 2018

Das margens para o centro: A história da segunda revolução quântica

O palestrante apresentará um histórico dos aspectos intelectuais e contextuais associados à renovação da pesquisa sobre os fundamentos da física quântica, a que o físico francês Alain Aspect chamou de “a segunda revolução quântica”.

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Resenha

Na última palestra de 2016, inserida no programa Ciência às 19 Horas, coube ao Prof. Dr. Olival Freire Jr., docente e pesquisador da Universidade Federal da Bahia (UFBA) dissertar sobre o tema Das margens para o centro ? A história da segunda revolução quântica. O título desta palestra foi propositalmente enigmático, remetendo para aquilo que alguns chamam de 2ª revolução quântica, que na verdade é um conjunto de conceitos e técnicas que se tornaram disponíveis nos anos 60, 70 do século XX, em contraposição com a primeira revolução que aconteceu no início desse mesmo século.

Prof. Dr. Olival Freire Jr

Essa 2ª revolução quântica, que teve enormes impactos na ciência e que promete outros ainda maiores, promete uma alteração no modo de processamento na área de informação quântica. De fato, segundo o palestrante, são apenas promessas. Essa área de informação quântica é, hoje, uma área da física muito quente, já que aconteceram atividades que foram desenvolvidas às margens da física. Não eram atividades, nem pesquisas muito bem valorizadas ou consideradas: eram pesquisas que trabalhavam com teorias chamadas heterodoxas, que, na física, podem representar o final da carreira de um jovem físico, se ele se dedicar excessivamente a trabalhos desse tipo, por exemplo.

A ideia de margem e centro é muito usual na ciência, para distinguir o que é mainstream, como explica Olival Jr: O que significa aquela agenda de pesquisa que é perfeitamente bem valorizada numa comunidade científica e o que é que são os temas que não são muito bem considerados, por razões diversas? Procuro sempre argumentar que parte dos conceitos essenciais do que chamamos de 2ª revolução quântica foi formulada num contexto de controvérsias, num contexto em que alguns desses proponentes eram muito mal considerados na comunidade dos físicos, na comunidade científica. Hoje, são altamente bem considerados, recebem premiações e tudo mais. Mas, por que o meu interesse nisso? Não é propriamente um interesse de trazer à luz alguém que foi valorizado na sua trajetória, embora isso seja importante, mas também valorizar e destacar, na ciência, aqueles que, no seu devido tempo, não tiveram destaque. Mas, o meu principal interesse é mostrar que esse é um bom caso para a gente compreender o quão complexa é a atividade científica. Então, ele, para mim, serve como um bom argumento contra qualquer visão simplista do que seja a atividade científica. O que é que eu chamo de atividade simplista? Tipicamente você pensa “Não! Ciência é você fazer os dados experimentais, a partir daí extrair uma teoria e por aí afora”. Não é assim. Ciência envolve muita conjectura, muita imaginação. Ciência tem uma atividade com uma dimensão social: o modo como você, jovem estudante, se relaciona com os seus colegas, o modo como você entra numa controvérsia. Então, o desenvolvimento da história da ciência, portanto, é um fenômeno tão complexo quanto os fenômenos complexos que a própria ciência estuda, enfatiza o pesquisador.

Das margens para o centro: A história da segunda revolução quântica
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Das margens para o centro: A história da segunda revolução quântica

14 de março de 2018

A mecânica quântica através de exemplos simples

A partir de experimentos que apresentavam resultados surpreendentes no contexto da mecânica de Newton e do eletromagnetismo de Maxwell, os pesquisadores do começo do século passado se viram obrigados a formular hipóteses revolucionárias que culminaram com a elaboração de uma nova física capaz de descrever os estranhos fenômenos que ocorriam na escala atômica; a mecânica quântica.

Esta teoria, com a sua nova conceituação sobre a matéria e os seus intrigantes postulados, gerou debates não só no âmbito das ciências exatas, mas também no das outras áreas do conhecimento, provocando assim uma grande revolução intelectual no século XX.

Nesta apresentação, o palestrante introduzirá, através de exemplos simples (na realidade, fictícios), alguns fenômenos quânticos de forma acessível a uma audiência de não especialistas.

Em particular, espera-se conseguir evidenciar a estranheza desses fenômenos através de conceitos que sejam familiares no nosso cotidiano, isolando assim qualquer dificuldade proveniente do conhecimento técnico necessário para o entendimento de experimentos mais realistas.

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Resenha

Prof. Dr. Amir O. Caldeira

A Mecânica quântica através de exemplos simples, foi o título da palestra realizada no final da tarde do dia 12 de abril, no Auditório Prof. Sergio Mascarenhas (IFSC/USP), um evento inserido no programa Ciência às 19 Horas, tendo-se contado com a presença o Prof. Amir O. Caldeira, docente e pesquisador do Instituto de Física Gleb Wataghin / UNICAMP.

A partir de experimentos que apresentavam resultados surpreendentes no contexto da mecânica de Newton e do eletromagnetismo de Maxwell, os pesquisadores do começo do século passado se viram obrigados a formular hipóteses revolucionárias que culminaram com a elaboração de uma nova física capaz de descrever os estranhos fenômenos que ocorriam na escala atômica; a mecânica quântica.

Esta teoria, com a sua nova conceituação sobre a matéria e os seus intrigantes postulados, gerou debates não só no âmbito das ciências exatas, mas também no das outras áreas do conhecimento, provocando assim uma grande revolução intelectual no século XX.

Nesta apresentação, o palestrante introduziu, através de exemplos simples (na realidade, fictícios), alguns fenômenos quânticos de forma acessível a uma audiência de não especialistas, tendo o convidado sublinhado a estranheza desses fenômenos através de conceitos que são familiares no nosso cotidiano, isolando assim qualquer dificuldade proveniente do conhecimento técnico necessário para o entendimento de experimentos mais realistas.

Mas, de que forma é que se consegue entender a mecânica quântica sem se utilizar conceitos acadêmicos e/ou científicos? Na opinião de Amir Caldeira, em geral, quando um docente ou pesquisador encara um texto de divulgação em qualquer área da física, principalmente em mecânica quântica (que é algo meio fora do nosso dia-a-dia), é muito difícil passar para o público leigo o quão inusitada é a área e é nesse momento que se inicia uma explicação sempre recheada de jargões científicos. Aí, você fala, explica o fenômeno e a pessoa não consegue dar conta de quão estranho ele é. Em minha opinião, é preciso buscar alguma coisa que as pessoas entendam e que faça parte do seu dia-a-dia, explica nosso convidado.

De fato, quando esse diálogo surge, Amir Caldeira explica que, no seu caso, ele cria situações, como se fossem pequenos jogos, simples brincadeiras, até utilizando cores: Eu ilustro com o seguinte exemplo : consideremos que um objeto emita som e seja vermelho. Se for medir o som desse objeto, você constatará que ele é sonoro e, se observar sua cor, ele é vermelho. Isso é simples. Mas, na mecânica quântica isso pode não acontecer. Quando você faz uma medida, você pode perder completamente a informação que tem sobre a outra. Então, se você viu que o objeto é vermelho e depois constatou que ele é sonoro, em uma próxima medida de cor este mesmo objeto pode se revelar azul. Por outro lado, se eu falo do momento magnético de um objeto na direção X ou Z, ninguém entende, porque não faz parte do dia-a-dia das pessoas e quase ninguém sabe o que é um momento magnético. As pessoas não têm conhecimento dos termos físicos. Eu notei isso com um médico amigo meu. Ele estava surpreso, porque havia lido uma reportagem num jornal sobre o problema da dilatação do tempo na teoria da relatividade. Mas como que o tempo não é uma coisa absoluta? A pessoa pode viajar no espaço, voltar e estar mais novo do que o próprio filho. Isso choca! Daí eu quis passar para esse amigo meu algumas coisas de mecânica quântica e ele não se surpreendia. Ele era médico e tinha feito química no vestibular. Então ele tinha algum conhecimento em química. Eu falava: ?Lembra o que você aprendeu em química? Aqueles níveis atômicos??. Daí ele dizia: ?Lembro, lembro…?.E eu acrescentava : “Pois é! Não é estranho? “. Não o chocou, mas o tempo dilatando o havia chocado. É nessa hora que você tem que buscar exatamente o termo correto e trazer para o cotidiano da pessoa um determinado fenômeno e como esse mesmo fenômeno seria lá no microcosmo. Aí, então, você pode se chocar , sublinha o pesquisador.

Para o palestrante, é extremamente importante que as pessoas consigam compreender a mecânica quântica e os fenômenos nela envolvidos e isso por dois motivos: o primeiro, para que se desmitifique o tema. Já que ele é inusitado e que seus efeitos são estranhos, as pessoas tendem a relacioná-lo com esoterismo e coisas do tipo, o que para Amir Caldeira é perigoso. Em segundo lugar, a ideia de levar ao público esta palestra foi mostrar que, apesar de apresentar esses efeitos estranhos, tudo isso é algo que se mede no laboratório: Toda a mecânica quântica é fundamentalmente ligada à teoria de medir. Isso é fundamental na mecânica quântica. Então não é uma coisa esotérica. É uma coisa muito concreta e a sua estranheza só surge devido ao fato de não conseguirmos descrevê-la com termos não conflitantes porque só sabemos, por exemplo, o que é partícula ou onda. Na hora de juntar essas duas coisas, fica meio complicado. Mas essa é uma das razões pelas quais você deve mostrar que a mecânica quântica tem consequências reais. Isso que você está usando depende de dispositivos que envolvem física quântica. Quando você fala de um computador, um LED usado em TV, ou um CD Player, você está falando de objetos que dependem dela. É sempre bom lembrar que o laser, já tão popular em inúmeras aplicações, é algo que não existiria sem a mecânica quântica. Então, a nossa tecnologia high-tech depende fortemente dessa disciplina?, enfatiza Amir Caldeira, acrescentando que é fundamental uma pessoa saber que aquilo que ela usa no cotidiano é mecânica quântica. ?Agora, como a mecânica quântica tem desdobramentos fora do cotidiano, a minha ideia é passar o que é isso, o quão estranho é – e que é estranho mesmo -, mas explicar que a natureza funciona desse jeito.

A origem da palestra de Amir Caldeira surgiu há algum tempo, quando o pesquisador deu uma palestra para introduzir o conceito de informação quântica para pessoas que atuam em sociologia, psicologia e em várias outras áreas. Mas, para falar de informação quântica, que é algo muito novo e que está começando a engatinhar, o palestrante tinha que explicar um pouco de mecânica quântica. Então, a ideia foi introduzir esta área que é muito mais complicada para então conectá-la à teoria de informação e finalmente mostrar como determinados efeitos quânticos bastante inusitados podem ter desdobramentos surpreendentes nesta área.

A mecânica quântica através de exemplos simples
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A mecânica quântica através de exemplos simples

13 de março de 2018

Surpresas do Mundo Quântico

No início do século XX, uma revolução conceitual transformou a visão que até então se tinha dos fenômenos naturais. A nova física quântica, desenvolvida por jovens como Einstein, Heisenberg, Schrodinger, Dirac, Bohr, Born, Pauli, Dirac e outros, revelou que as leis que regem o comportamento do mundo microscópico violam a intuição obtida através da observação dos fenômenos macroscópicos que fazem parte de nosso quotidiano.

Apesar de seu aspecto contra-intuitivo, as surpreendentes propriedades do mundo quântico resultaram, ainda no século XX, em aplicações importantes, como o laser, o transistor e a ressonância magnética nuclear.

No início do século XXI, questões importantes sobre sutis efeitos quânticos permanecem sem resposta, ao mesmo tempo que novas idéias surgem sobre outras possíveis aplicações, envolvendo a codificação de informações (criptografia) e computadores quânticos.

Esta palestra apresentará uma introdução aos fenômenos quânticos e algumas das possíveis aplicações que estão sendo consideradas atualmente.

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Resenha

Prof. Dr. Luiz Davidovich

Quando usualmente se fala em transistores, lasers e RMN (ressonância magnética nuclear), não há qualquer tipo de dificuldade em identificar essas denominações, pois elas estão intrinsecamente ligadas às extraordinárias descobertas feitas no século XX. Passada que é a primeira década do século XXI, o mundo científico não quer abrandar a verdadeira revolução que iniciou há cerca de cem anos: o que era inovação ontem, está desatualizado hoje. A velocidade com que a ciência avança em todas as áreas do conhecimento é impressionante. Embora a física tenha contribuído ? e bastante – para esse incrível turbilhão tecnológico, o certo é que o século XXI traz com ele alguns enigmas que estão ligados ao rápido desenvolvimento científico e na procura por mais e melhor. E um dos exemplos de enigmas na física reside nos efeitos quânticos que, por enquanto, ainda não apresentam todas as respostas para os cientistas.

Para debater conosco este tema e suas particularidades, conversamos com um dos mais eminentes físicos brasileiros, o pesquisador, Prof. Dr. Luiz Davidovich, que por ocasião da segunda edição da SIFSC ? Semana Integrada do Instituto de Física de São Carlos, participou no habitual programa intitulado ?Ciência às 19 Horas?, que ocorreu no dia 16 de outubro, com a palestra subordinada ao tema Surpresas do Mundo Quântico.

 

O fenômeno do Emaranhamento

De fato, existem ainda questões em aberto na física quântica, relacionadas com problemas antigos que foram formulados em 1935 por Einstein, Podolsky e Rosen, através de um famoso artigo científico que resultou do designado Paradoxo de EPR, no qual se levantou um dos problemas mais fundamentais da teoria quântica ? saber se a mecânica quântica era uma teoria completa, ou se, pelo contrário, continha variáveis escondidas que tinham a ver com o fenômeno do Emaranhamento. Segundo Davidovich, esse fenômeno tem ocupado as mentes dos físicos durante décadas e provocou inúmeras discussões filosóficas entre os anos de 1935 e 1960.

Só em 1964 é que foi possível dar uma formulação matemática a todos esses debates, através da teoria de John Stewart Bell, que, no meu entender, foi uma das grandes contribuições da física no século XX. O que despertava a curiosidade e atenção dos físicos e filósofos dessa época era o fato de que o fenômeno do Emaranhamento, que Einstein classificou como fantasmagórico, poderia talvez ser explicado pela teoria designada de variáveis escondidas: por outras palavras, o Emaranhamento estava associado a correlações muito fortes entre dois objetos e acreditava-se que talvez uma teoria alternativa de física quântica poderia explicar essas correlações, comenta o pesquisador.

De fato, em 1964 John Bell mostrou que havia experimentos que poderiam diferenciar as previsões da teoria quântica e as previsões dessas teorias alternativas. Os experimentos foram realizados e estabeleceu-se que, de fato, as teorias alternativas não eram adequadas para descrever esse fenômeno. Ganhou-se, nos últimos anos, uma enorme compreensão sobre esse fenômeno do Emaranhamento, mas ainda há questões em aberto, conforme explica Davidovich.

Einstein, Podolsky e Rosen referiam-se ao Emaranhamento entre duas partículas, entre dois corpos. Hoje, são produzidos estados emaranhados de muitas partículas. Por exemplo, em laboratórios na Áustria, são produzidos estados emaranhados de catorze átomos. Como entender a matemática desses estados, como classificar o emaranhamento desses estados? Como ordenar esses estados de acordo com a quantidade de emaranhamento que possuem? Tudo isso é uma questão em aberto na física e na matemática e por isso é interessante verificar que essas questões, tão básicas da física contemporânea, encontram ainda sérios desafios muito fortes.

Também apareceram novas ideias para futuras aplicações, que envolvem a criptografia e o aparecimento dos computadores quânticos, tendo como base os trabalhos vencedores do Prêmio Nobel da Física ? 2012, da autoria do francês Serge Haroche e do americano David Wineland, que conseguiram manipular partículas quânticas sem as destruir. Para o Prof. Luiz Davidovich, essa história não está bem contada, pois os media ainda não souberam explicar, de forma correta, esses trabalhos:

De fato, isso de manipular partículas quânticas sem as destruir tem sido noticiado da forma como você refere, mas na verdade é um pouco mais complexo do que isso. Quando se detecta um fóton, a maneira usual de fazê-lo implica na destruição dele. A detecção de um fóton faz-se através de um aparelho chamado (logicamente) Fóton-Detector e ele tem a propriedade de absorver o fóton. Sabemos que o fóton estava lá a posteriori através do sinal emitido por esse aparelho, que o detectou e que o destruiu. No grupo de pesquisa de Serge Haroche utilizaram-se experimentos que permitiram detectar, por exemplo, o número de fótons existentes numa cavidade, sem os destruir. Não é que o estado do sistema fique inalterado, como se fala, mas é uma propriedade do sistema, ou seja, é o número de fótons que fica inalterado. Você detecta esse número de fótons com átomos que passam pela cavidade, e esses átomos sentem que os fótons estão lá, mas não os absorvem. Isso é o que se chama de Medida Quântica Não Demolidora, porque ela não destrói, não demole os fótons que estão na cavidade. Contudo, isso não significa que o estado fique inalterado, podendo-se mostrar que esses átomos, que mantêm o número de fótons inalterado, tornam a fase ? que é uma propriedade do campo eletromagnético ? completamente caótica. Eles alteram a fase do campo, mas não alteram o número de fótons: são propriedades complementares, refere o nosso convidado.

 

Computadores mais velozes e códigos criptográficos inquebráveis (?)

Nesse contexto, conforme explicou Davidovich, o que se chama de Medida Quântica Não Demolidora, em geral, mais não é do que uma medida que não altera a variável que está sendo observada, mas que pode alterar completamente a variável complementar. Pode-se fazer uma Medida Quântica Não Demolidora da velocidade de uma partícula, mas para se fazer isso não se destrói a posição da partícula. Os trabalhos de Haroche e Wineland prevêem, segundo os media, que num futuro próximo possam existir computadores ainda mais velozes e códigos criptográficos inquebráveis. Estas afirmações obrigaram-nos a questionar nosso entrevistado se essa é uma afirmação correta e o que estará para vir depois disso. Enfaticamente, Luiz Davidovich dividiu a questão em duas partes, debruçando-se primeiramente nos códigos inquebráveis ou invioláveis, explicando que a designada criptografia quântica permite a transmissão daquilo a que se chama usualmente de chaves criptográficas: então, o que é uma chave criptográfica?

Quando queremos enviar uma mensagem para uma pessoa amiga que está longe, e queremos codificar essa mensagem, precisamos ter uma chave para fazer isso. E o importante é que ambas as pessoas tenham essa chave ? a pessoa que envia a mensagem e a pessoa que vai recebê-la, para decodificá-la. Por isso mesmo, enviar chaves de um lugar para o outro é o ponto crucial dessa operação, referiu Davidovich, exemplificando com o clímax transmitido por qualquer filme de suspense, onde um espião dá a vida para capturar essas chaves, já que, na verdade, ele não está interessado nas mensagens propriamente ditas. Assim, se os espiões conseguem as chaves, eles poderão ter acesso a todas as mensagens.

O que a física quântica faz é permitir enviar uma chave, de tal forma que se alguém tentar olhar para ela, imediatamente se descobre que o fez isso. Isso está baseado na propriedade fundamental da física quântica, que diz que você não pode medir o sistema sem alterá-lo. Você pode até fazer medidas que não alteram certa propriedade do sistema, mas vai alterar outra. Então, se uma pessoa tenta descobrir qual a mensagem que está sendo enviada, ela necessariamente modifica essa mensagem. Assim, tanto a pessoa que envia a chave, como aquela que a recebe, podem descobrir que houve uma observação dela e aí a chave deixa de ser confiável, pois comparando ambas elas mostram diferenças, salienta o pesquisador.

Quando perguntamos ao Prof. Luiz Davidovich se isso poderá se tornar uma realidade, o pesquisador respondeu Já é uma realidade. Com efeito, em 2007, as eleições em Genebra (Suíça) foram feitas eletronicamente e os votos foram transportados (para serem contabilizados) através da criptografia quântica. Se alguém quisesse violar um voto que fosse seria descoberto imediatamente. Segundo o nosso entrevistado, esse método está sendo usado também na Áustria e na Suíça para conectar matrizes de bancos às suas filiais, em distâncias curtas, só que esta realidade não fica por aqui.

Hoje, estão sendo feitos experimentos para o envio de chaves quânticas a grandes distâncias. Existe uma cooperação que está sendo realizada entre a China, Europa e Austrália, para fazer tudo isso através de satélites, ou seja, serão usados satélites artificiais para estabelecer chaves quânticas. Fantástico, não é? Então, essa é uma fase da informação quântica que já está sendo implantada, remata Davidovich.

Quanto à computação quântica, que é a segunda parte relacionada com a primeira questão que colocamos, segundo o nosso entrevistado, ela promete muito, tendo começado a despertar um grande interesse, principalmente em determinadas agências governamentais dos Estados Unidos da América, nomeadamente na NSA ? National Security Agency, a partir do momento em que houve uma proposta de um matemático que trabalhava nos laboratórios da ATAT ? American Telephone and Telegraph Corporation, que mostrou que alguém que possuísse um computador quântico poderia faturar um número em um espaço de tempo exponencialmente mais rápido do que num computador clássico. Mas, o que é faturar um número? Luiz Davidovich explica.

É decompor em números primos, pontua o pesquisador. Por exemplo, 15=5×3. Até aqui, nada de anormal, todo mundo sabe isso. Agora, um número como 3.873.984, fica mais difícil descobrir os fatores primos dele. De fato, nos computadores clássicos, o melhor algoritmo conhecido hoje para faturar um número, leva um tempo relativamente longo. Por isso mesmo, a faturação de números grandes é a base do método criptográfico muito usado atualmente ? método RSA -, extremamente utilizado quando estabelecemos contato com os bancos pela Internet. Assim, quem possuir um computador quântico vai poder quebrar todos os códigos existentes e daí a preocupação da NSA.

A partir desse pressuposto, a NSA implantou uma estratégia muito interessante: ela abriu completamente o tema, sem segredos, e passou, através de funcionários altamente capacitados, a frequentar as conferências para as quais eram convidadas pessoas de todo o mundo. Na China, que é onde decorre a maior parte dessas conferências, lá está sempre um funcionário de alto escalão – na maioria das vezes, matemático – devidamente credenciado e identificado pela NSA. A agência americana não quer saber de mais nada a não ser verificar se alguém violou algo, por forma a poder mudar imediatamente seus códigos. Contudo, para fazer com que um computador quântico fature números com mais eficácia de que um computador convencional teria que existir uma máquina com um poder quase inimaginável.

Esse computador imaginário teria que ter 1.000 qbits, colocando esse número num estado emaranhado, o que é algo extremamente difícil, quase impossível. Agora, se vai aparecer o computador quântico baseado nas idéias atuais, para quebrar códigos, eu tenho as minhas dúvidas. Por outro lado, atualmente estão sendo feitas demonstrações muito interessantes de computação quântica, usadas para simular sistemas físicos, e nessas simulações consegue-se fazer coisas extraordinárias, como, por exemplo, simular movimentos de camadas de ar na atmosfera, o que é um tema interessantíssimo para a área de meteorologia, explica o palestrante.

 

Luiz Davidovich versus Serge Haroche

O Prof. Davidovich é amigo pessoal e um dos colaboradores brasileiros mais próximos de Serge Haroche, um dos vencedores do Prêmio Nobel da Física deste ano, e essa colaboração vem de há vinte ou vinte cinco anos. Davidovich desloca-se frequentemente a França, onde participa de conselhos de diversos organismos europeus, e propôs-se a falar um pouco sobre essa relação de trabalho com o pesquisador francês, que remonta ao ano de 1986, quando Luiz Davidovich ainda estava na PUC do Rio de Janeiro.

Foi graças a uma licença sabática que decidi ir para França, onde passei um ano com a equipe de Haroche. Quando cheguei lá, a minha intenção era fazer um experimento sobre um dispositivo chamado micro-maser: o maser é um laser que funciona na região de microondas, na área da luz. O micro-maser é um maser microscópico que funciona com apenas alguns átomos de cada vez, numa cavidade ressonante, e esse micro-maser era algo baseado na transição de dois fótons. Eu achei interessante e comecei a trabalhar na teoria desse micro-maser, uma teoria que, para essa especificação, ainda não tinha sido realizada. Cheguei na França com muita vontade e trabalhei dia e noite, durante fins-de-semana: eu estava cheio de gás. Então, deparei-me com problemas de vária ordem que levaram muito tempo para resolver ? inclusive, houve um problema que eu resolvi, imagine, no cinema, em plena exibição de um filme. Então, o que eu fiz foi desenvolver essa teoria e o interessante foi que ela demonstrou que o experimento que estávamos planejando com Haroche tinha que ser modificado e mais tarde comprovou-se tudo isso, na experimentação. Foi fantástica essa experiência, esse trabalho em colaboração com Haroche e sua equipe, que tinham a particularidade de ter um humor deveras refinado, extraordinário, recorda nosso entrevistado, sorrindo.

Depois desse ano na França, Davidovich começou a viajar com freqüência para lá, sempre trabalhando junto com Haroche e sua equipe em diversos projetos e idéias, sendo que algumas delas não passaram para a fase experimental por falta de equipamentos, mas que, mesmo assim, estão prontas para isso, como é o caso da teleportação.

De fato, o nosso artigo sobre teleportação foi o primeiro a propor o experimento e, curiosamente, mostrou que dava para fazer a teleportação fazendo uma determinada operação lógica entre átomos e campo, que na verdade mais não era do que uma porta lógica alimentada por computação quântica. Claro que na época não sabíamos isso; apenas chamávamos de porta de fase. Seguidamente, trabalhamos na designada Medida Quântica Não Demolidora, propondo experimentos; no artigo que foi feito com base nesse trabalho conjunto com a equipe de Haroche ? que é um dos artigos mais citados ?, tivemos a idéia de fazer um experimento que envolveria a produção de um estado do campo eletromagnético análogo ao Gato de Schrodinger, teoria datada de 1935, da autoria do físico Erwin Schrodinger. Nesse experimento, seria produzido, numa cavidade, um campo que estaria numa superposição de dois estados, ou seja, uma cavidade acesa e apagada, ao mesmo tempo, uma superposição dessas duas situações. Era uma superposição que você pode interpretar, classicamente, cada uma delas ? sabemos o que é uma cavidade acesa e o que é uma cavidade apagada, mas uma cavidade acesa e apagada, ao mesmo tempo, é difícil de imaginar, é impossível imaginar: é como o Gato de Schodinger, que está vivo e morto, ao mesmo tempo. No entanto, isso é uma possibilidade quântica. Na sequência desse artigo, publicamos, em 1996, um outro artigo em que mostramos como é que poderia ser medida essa superposição, mostrando, igualmente, como é que, com o tempo, essa superposição quântica estranha se transforma numa alternativa clássica. Em outras palavras, as propriedades quânticas desaparecem devido ao contato daquele sistema com o ambiente, ou seja, o ambiente destrói as propriedades quânticas. Nós provamos isso, na teoria, explica Davidovich.

Esse experimento foi feito ainda no decurso de 1996 e foi muito badalado nessa época, exatamente pela propriedade da perda de coerência. Davidovich e Haroche tiveram ainda uma outra cooperação na área do laser, que incidiu sobre uma teoria do laser microscópico.

Foi um trabalho intenso nessa época. Em 1994 transferi-me para a UFRJ e a partir daí dediquei-me exclusivamente á teoria, ao ponto de criar um laboratório ? para pasmo da comunidade de físicos. É um laboratório para teóricos, mas com uma interligação fortíssima com a área experimental, que acolhe nomes de grandes pesquisadores. São verdadeiramente fantásticos os resultados obtidos nesse laboratório, com artigos de grande impacto publicados em diversas revistas, como, por exemplo, na Nature ou na Science, recorda o pesquisador.

A colaboração com França deu e continua a dar frutos muito importantes, principalmente para a ciência brasileira. Luiz Davidovich e Serge Haroche orgulham-se de sua amizade e de seus trabalhos, continuando a trocar experiências científicas e a se visitarem mutuamente. Contudo, existem outras colaborações científicas com França, não necessariamente com o grupo de Haroche, que têm contribuído ? e muito – para o desenvolvimento da ciência nacional. E as universidades brasileiras estão aí, como prova disso.

Surpresas do Mundo Quântico
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Surpresas do Mundo Quântico

2 de março de 2018

O que é Informação Quântica?

A Física Quântica, a Teoria da Informação, a Ciência da Computação e a Criptografia, que se desenvolveram bastante na primeira metade do século passado, influenciam a nossa vida cotidiana de uma maneira sem precedentes.

Dois exemplos imediatos são a computação e a telefonia. Apesar disso, os desenvolvimentos científicos responsáveis por estas tecnologias continuam inacessíveis à maioria da população.

Nesta palestra pretendemos abordar alguns conceitos que permeiam os fundamentos de uma nova área que surge da conjunção destas áreas da ciência: a Informação Quântica. Apresentaremos a ideia geral da teoria clássica da informação e dos elementos necessários para a sua geração, processamento e transmissão, os chamados bits. Abordando os conceitos da Física Quântica extrairemos a generalização do conceito dos bits; os inusitados qubits. Introduziremos então dois conceitos – genuinamente quânticos – de fundamental importância para estas novas áreas que são os emaranhados quânticos e o teleporte quântico.

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O que é Informação Quântica?
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O que é Informação Quântica?

16 de fevereiro de 2018

Fisíca Quantica: O estranho comportamento do mundo microcóspico

Estamos cercados de aparatos eletrônicos, técnicas cirúrgicas e outras tantas maravilhas que são frutos dos avanços tecnológicos decorrentes da física quântica,teoria desenvolvida no início do seculo 20 e que se transformou em um dos pilares da física moderna.

Tão importantes quanto essas aplicações são as profundas transformações que a Física Quântica trouxe para nossas concepções sobre o universo. Suas leis permitiram desvendar mistérios sobre a estrutura da matéria e certamente nos ajudarão a entender as origens do cosmo e da vida. Alguns fenômenos do mundo quântico são inimagináveis em nosso cotidiano.

Porém, paradoxalmente, nosso dia-a-dia seria impensável se não fosse esse comportamento bizarro dos átomos, das moléculas e das partículas de luz.

Fisíca Quantica: O estranho comportamento do mundo microcóspico
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Fisíca Quantica: O estranho comportamento do mundo microcóspico