Dialogar com o Prof. Ivair Gontijo é apaixonante, principalmente pela forma como ele consegue nos contagiar ao descrever seu trabalho, seus receios e sucessos, num ambiente altamente avançado em nível científico e tecnológico, como é o da NASA (EUA).
O mineiro Ivair Gontijo completou sua graduação em Física e mestrado em Óptica no Departamento de Física da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), em 1985 e 1987, respectivamente. Em 1988, mudou-se para a Escócia, onde obteve o doutorado no Departamento de Engenharia Elétrica da Universidade de Glasgow, em 1992, tendo, na sequência, trabalhado como pesquisador em lasers de semicondutores, detectores de luz e estudos de materiais, tanto na Universidade de Glasgow quanto na Heriot-Watt University, em Edimburgo, igualmente na Escócia. Em 1998, Ivair mudou-se para Los Angeles, Califórnia, onde trabalhou na University of California, Los Angeles (UCLA) por dois anos e meio, desenvolvendo novos materiais e dispositivos baseados em cristais fotônicos.
Uma decisão de mudar de área levou o cientista brasileiro a trabalhar entre 2000 e 2005 para empresas de comunicação por fibra óptica, como gerente de projetos. Com a migração da indústria de fibra óptica para a Ásia, Ivair mudou novamente de área, passando a projetar lentes esféricas para cirurgias de catarata em uma empresa de biotecnologia com fábricas na Califórnia, Suíça e Japão. Ivair já produziu duas novas patentes para a empresa e existe mais de um milhão de pessoas no mundo usuárias das lentes por ele projetadas. Desde 2006, Ivair trabalha no Jet Propulsion Laboratory (JPL), da NASA, em Pasadena, Califórnia. Em seu primeiro projeto, liderou a fabricação dos transmissores e receptores de micro-ondas para o radar que controlou a descida final, em Marte, do veículo exploratório Curiosity, sendo que, atualmente, Ivair trabalha em um projeto que visa enviar uma sonda para Europa, uma das luas de Júpiter.
Foi exatamente sobre a aventura do pouso do Curiosity, em Marte, que incidiu mais uma edição do programa Ciência às 19 Horas, que ocorreu no dia 26 de maio, no Auditório Prof. Sérgio Mascarenhas (IFSC-USP), onde uma vasta plateia se aglomerou para ouvir o Prof. Ivair Gontijo
Em entrevista exclusiva concedida à Assessoria de Comunicação do IFSC-USP, Gontijo considera-se um trapezista, alguém que passa a vida caminhando na corda bamba e que já se habituou com todos os solavancos e desiquilíbrios, mas que, simultaneamente, se sente confortável em estar nessa situação, até porque a regra é tombar algumas vezes e sempre voltar a subir na corda, continuando em frente. Com acentuado humor, Gontijo conta que na época em que começou a trabalhar em Los Angeles, na área de fibra óptica, pensou que finalmente poderia ficar rico, mas a empresa onde trabalhava acabou quebrando e, ao invés de ganhar muito dinheiro, em seis meses todos os funcionários da citada empresa estavam procurando novo trabalho.
Após esse incidente no percurso profissional de Ivair Gontijo. ele trabalhou em duas empresas de comunicação por fibra óptica e, logo em seguida começou à procura de empregos quando as indústrias de fibra óptica migraram para a Ásia, uma época onde cerca de trezentos mil engenheiros perderam seus empregos, no ano de 2003, nos EUA. Com o regresso de muitos técnicos e pesquisadores que se encontravam sediados na China, Índia, Brasil e um pouco por mundo, todo esse contingente regressou aos Estados Unidos, tendo migrado para outras áreas: Comecei a projetar lentes para cirurgia de catarata, numa empresa de biotecnologia. Nessa época, eu tinha enviado meu currículo para doze pessoas na NASA, sempre com alguma esperança, mas nunca recebi qualquer tipo de resposta. Na verdade, eu sempre digo que não sou bom para descobrir quais são as boas oportunidades na vida. Aquelas oportunidades que eu achava que eram as grandes oportunidades, nenhuma delas deu certo. Aquelas coisinhas, muito pequenininhas, que nem esperava que dessem certo, foram as que de fato abriram meu caminho. Coloquei o meu currículo num site relativo a uma conferência e foi assim que uma pessoa do Jet Propulsion, da NASA, entrou em contato comigo e me chamou para uma entrevista, recorda Ivair.
De repente, o veículo ‘Curiosity’ estava entregue a um cientista brasileiro
No Jet Propulsion, propuseram a Ivair o desenvolvimento de um projeto relacionado com lasers de semicondutores e uma semana depois descobriram que ele tinha experiência em montagens de circuitos de radiofrequência; aí, colocaram-no a trabalhar no projeto Mars Science Laboratory (MSL), que enviaria o jipe Curiosity para Marte: Na verdade, o MSL não tinha ninguém que soubesse trabalhar com radiofrequência, ou que tivesse uma visão ampla para mexer não só com física dos semicondutores dos dispositivos eletrônicos, como também colocar tudo aquilo numa caixa, transformando o conjunto em um dispositivo (transmissores de radar) que pudesse ser integrado com o resto da espaçonave. Foi assim que passei a gerenciar um grupo de técnicos só para essa finalidade, comenta nosso entrevistado. Essa equipe construiu o radar que mais tarde iria controlar a descida do Curiosity (com um peso de 900 Kg) em Marte: Se esse equipamento não funcionasse, o resto seria irrelevante, porque iria se transformar em um monte de ferro velho depositado em Marte. Aquilo tinha que descer, custasse o que custasse, e a missão do radar foi medir a altura que o Curiosity estava do solo marciano, bem como indicar a velocidade de descida. Sem essas medidas, todo o equipamento iria descer de uma forma descontrolada e iria virar um monte de ferro velho, mas no final deu tudo certo, afirma Ivair.
A descida do Curiosity, em Marte, foi acompanhada em rede nacional de televisão, nos Estados Unidos, com muita apreensão, pois todos sabiam que existiam milhares de razões e de problemas para que algo desse errado: afinal, controlar remotamente a descida do veículo, num ponto específico do planeta Marte, mesmo contando com o auxílio de dois satélites que já se encontram na órbita daquele planeta, não era tarefa fácil, embora toda a equipe da NASA tivesse dado o seu melhor.
Para Ivair Gontijo, os momentos finais da descida foram dramáticos. Toda a física aplicada naquele projeto estava certa, as ideias e cálculos estavam corretos, só que era um projeto de muitos detalhes: um parafuso mal apertado jogaria todo o projeto para o lixo. Então, se todos os detalhes fossem feitos de forma correta, o projeto iria dar certo: Eu só acreditei mesmo quando vi a primeira foto tirada pelo próprio Curiosity, com a sombra do veículo parado na superfície do planeta: e dava para ver, inclusive, as rodas dele. Durante a descida, parecia um ensaio, parecia que não era de verdade, foi tudo absolutamente perfeito. Não teve nenhum problema durante a descida, comemora Gontijo.
Após esse grande sucesso, a NASA decidiu entregar a Ivair Gontijo outra missão, esta para ser concluída daqui a aproximadamente dez anos e numa área completamente diferente da anterior: agora, o desafio de Gontijo é contribuir para o projeto de lançar uma sonda com destino a Europa – uma das luas do planeta Júpiter – colocando o equipamento em uma órbita muito próxima da superfície, com a intenção de um estudo mais aprofundado. Júpiter é coberto de gelo, e ele se move, se quebra, tem várias rachaduras e sai material lá de baixo. Parece que abaixo do gelo existe um oceano, água líquida, uma espécie de oceano global, prevendo-se que exista mais água aí do que em nosso planeta: Na Terra existe água, logo vida. É importante saber se existem essas condições propícias à vida na lua Europa, que também é a grande pergunta que fazemos sobre Marte; se existem essas condições, que chamamos de habitabilidade, a vida pode-se ter formado lá, também”, justifica Ivair.
(Rui Sintra – jornalista)