Pela primeira vez, desde que foi criado, o programa “Ciência às 19 Horas” abordou um tema que é muito querido para todos os brasileiros: o futebol. Essa abordagem não se deu através de aspectos esportivos, competitivos ou técnicos, mas sim utilizando a Física como forma de explicar inúmeros conceitos inerentes a como marcar o golo perfeito, como fazer a bola descrever um ângulo em sua trajetória, ou a forma como reduzir as chances de um goleiro defender um pênalti.
Esta interessante palestra, que decorreu no dia 17 de abril, a partir das 19 horas, no Auditório Prof. Sérgio Mascarenhas (IFSC-USP), esteve sob a responsabilidade da Profa. Dra. Emico Okuno, pesquisadora e docente do Instituto de Física da USP, ao apresentar o tema “A Física do Futebol”. Com bacharelado em Física na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP, em 1960, e doutorado na mesma área e universidade, em 1971, a Profa. Okuno fez pesquisa científica em Raios Cósmicos com o Prof. Cesare Lattes, entre 1959 e 1962, tendo estagiado com o Prof. Masatoshi Koshiba (Prêmio Nobel da Física 2002). Experiente na área de Física-Médica – efeitos biológicos das radiações ionizantes e não-ionizantes, proteção radiológica, e biomecânica, e de outras temáticas relacionadas com desastres e acidentes nucleares, Emico Okuno é autora e co-autora de seis livros, entre os quais se conta aquele que deu o título a esta palestra – “A Física do Futebol” –, uma obra escrita em parceria com o Prof. Dr. Marcos Duarte, igualmente docente da USP.
De trato muito fácil, extraordinariamente alegre, ativa e atenta, a Profa. Okuno sente-se como peixe na água ao falar de Física, a ponto de, por vezes, esquecer que já está aposentada compulsoriamente há cerca de cinco anos: Como eu continuo a dar aulas regularmente, por vezes esqueço que já estou aposentada faz tempo. Mas dou aulas com muito prazer, porque gosto de ensinar, gosto de formar jovens. Tanto Okuno como Marcos Duarte dão aulas a alunos que não pertencem à área da Física – biólogos, farmacêuticos, biomédicos, etc –, ou que simplesmente não gostam dessa área do conhecimento: Esse é o aspecto mais curioso desta nossa postura, devido ao fato de sempre termos apostado – e vamos continuar apostando – na formação dos estudantes. Temos que os atrair para esta magnífica área do conhecimento que se encontra presente em tudo na nossa vida – refere a Profa. Okuno.
A ideia de se falar sobre a Física do Futebol nasceu porque o futebol é a paixão nacional e mundial, sendo que o único país que não se sente tão atraído por este esporte é os Estados Unidos. Até no Japão o futebol é, agora, uma paixão. Os conceitos da física, no futebol, são muito complexos e variados e encontram-se sempre presentes nos jogos. Okuno dá o exemplo da marcação de um pênalti: Você calcula a força do chute do jogador, a intensidade e direção do vento, humidade no ar, o impacto da chuteira na bola e da bola na grama, a velocidade e o tempo que ela percorre até ao goleiro: impossível defender, a não ser por uma questão de sorte, que é o que acontece habitualmente. Repare que muitos goleiros fixam o olhar na coxa de quem vai rematar, tentando adivinhar para que lado é que a bola vai, quando deveriam olhar exatamente para a bola, pois é nela que os efeitos da física acontecem. Geralmente, o posicionamento do corpo de quem remata a gol não indica para que lado vai a bola – muito pelo contrário. Se repararmos com atenção, na grande maioria dos pênaltis os goleiros saem do gol antes dos remates: portanto, como eu já disse, é uma questão de sorte eles pegarem a bola. Por outro lado, quando você vê a bola de futebol descrever uma curva após um remate ou um cruzamento, essa trajetória não é ocasional; o jogador treinou bastante tempo para dar esse particular efeito na bola, ou seja, treinou diversos componentes da Física, sem sequer se aperceber disso. Imagine se ele tivesse estudado um pouco de Física e pudesse aplicar esse aprendizado no jogo: ele seria, possivelmente, muito mais perfeito e eficaz no seu desempenho em campo. Se ponderarmos sobre isso tudo, se essas equações fossem aplicadas nos treinos dos jogadores, acredito que eles aumentariam substancialmente seu desempenho – refere nossa entrevistada.
Os conceitos da física no futebol não passam apenas por aquilo que foi referido acima; eles também passam pela própria estrutura da bola. Antigamente, as bolas de futebol tinham 18 gomos, depois passaram a ter 12 e, seguidamente, apresentaram 32 gomos. Na última copa do mundo, a famosa Jabulani tinha pouquíssimos gomos e tudo isso tem uma influência drástica em termos da física, explica Emico Okuno: Essa questão da Jabulani foi bastante debatida nessa copa, quando muitos jogadores reclamaram da bola, já que eles tiveram bastantes dificuldades, quer no domínio da bola, em passes, cruzamentos, remates, porque ela se comportava de forma estranha, tomava trajetórias diferentes ao que o jogador queria, escorregava e saltitava nas mãos dos goleiros, tudo isso devido à sua composição estrutural.
Quando se realizou o lançamento do livro que deu título a esta palestra do programa “Ciência às 19 horas” – A Física do Futebol – a Profa. Okuno esperava que apenas comparecessem à cerimônia alunos e colegas da USP, mas, de fato, apareceu muita gente ligada ao esporte e ao futebol, em particular, alguns técnicos de futebol e profissionais ligados à área da educação física. No exterior utiliza-se já a ciência para melhorar aspectos competitivos, incluindo o futebol; então, questiona nossa entrevistada, porque não fazer isso também no Brasil, que é o país do futebol?
Para a nossa entrevistada, não é só no futebol que os conceitos da física se fazem presentes, mas sim em todos os esportes que utilizam – ou não – uma bola. Daí que, na opinião da pesquisadora, se todos os atletas tivessem uma formação básica na área da física, eles iriam apresentar um maior desempenho competitivo.
(Rui Sintra – jornalista)