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16 de março de 2018

Surpresas do Mundo Quântico: o olhar do Prof. Dr. Luiz Davidovich

Quando usualmente se fala em transistores, lasers e RMN (ressonância magnética nuclear), não há qualquer tipo de dificuldade em identificar essas denominações, pois elas estão intrinsecamente ligadas às extraordinárias descobertas feitas no século XX. Passada que é a primeira década do século XXI, o mundo científico não quer abrandar a verdadeira revolução que iniciou há cerca de cem anos: o que era inovação ontem, está desatualizado hoje. A velocidade com que a ciência avança em todas as áreas do conhecimento é impressionante. Embora a física tenha também contribuído – e bastante – para esse incrível turbilhão tecnológico, o certo é que século XXI traz com ele alguns enigmas que estão ligados ao rápido desenvolvimento científico e na procura por mais e melhor. E um dos exemplos de enigmas na física reside nos efeitos quânticos que, por enquanto, ainda não apresentam todas as respostas para os cientistas.

Para debater conosco este tema e suas particularidades, conversamos com um dos mais eminentes físicos brasileiros, o pesquisador, Prof. Dr. Luiz Davidovich, que, por ocasião da segunda edição da SIFSC – Semana Integrada do Instituto de Física de São Carlos, participou no habitual programa intitulado Ciência às 19 Horas, que ocorreu no dia 16 de outubro, através da palestra subordinada ao tema Surpresas do Mundo Quântico.

 

O fenômeno do Emaranhamento

De fato, existem ainda questões em aberto na física quântica, relacionadas com problemas antigos que foram formulados em 1935 por Einstein, Podolsky e Rosen, através de um famoso artigo científico que resultou do designado Paradoxo de EPR, no qual se levantou um dos problemas mais fundamentais da teoria quântica – saber se a mecânica quântica era uma teoria completa, ou se, pelo contrário, continha variáveis escondidas que tinham a ver com o fenômeno do Emaranhamento. Segundo Davidovich, esse fenômeno tem ocupado as mentes dos físicos durante décadas e provocou inúmeras discussões filosóficas entre os anos de 1935 e 1960.

Só em 1964 é que foi possível dar uma formulação matemática a todos esses debates, através da teoria de John Stewart Bell, que, no meu entender, foi uma das grandes contribuições da física no século XX. O que despertava a curiosidade e atenção dos físicos e filósofos dessa época era o fato de que o fenômeno do Emaranhamento, que Einstein classificou como fantasmagórico, poderia talvez ser explicado pela teoria designada de variáveis escondidas: por outras palavras, o Emaranhamento estava associado a correlações muito fortes entre dois objetos e acreditava-se que talvez uma teoria alternativa de física quântica poderia explicar essas correlações, comenta o pesquisador.

De fato, em 1964 John Bell mostrou que havia experimentos que poderiam diferenciar as previsões da teoria quântica e as previsões dessas teorias alternativas. Os experimentos foram realizados e estabeleceu-se que, de fato, as teorias alternativas não eram adequadas para descrever esse fenômeno. Ganhou-se, nos últimos anos, uma enorme compreensão sobre esse fenômeno do Emaranhamento, mas ainda há questões em aberto, conforme explica Davidovich.

Einstein, Podolsky e Rosen referiam-se ao Emaranhamento entre duas partículas, entre dois corpos. Hoje, são produzidos estados emaranhados de muitas partículas. Por exemplo, em laboratórios na Áustria, são produzidos estados emaranhados de catorze átomos. Como entender a matemática desses estados, como classificar o emaranhamento desses estados? Como ordenar esses estados de acordo com a quantidade de emaranhamento que possuem? Tudo isso é uma questão em aberto na física e na matemática e por isso é interessante verificar que essas questões, tão básicas da física contemporânea, encontram ainda sérios desafios muito fortes.

Também apareceram novas ideias para futuras aplicações, que envolvem a criptografia e o aparecimento dos computadores quânticos, tendo como base os trabalhos vencedores do Prêmio Nobel da Física – 2012, da autoria do francês Serge Haroche e do americano David Wineland, que conseguiram manipular partículas quânticas sem as destruir. Para o Prof. Luiz Davidovich, essa história não está bem contada, pois os media ainda não souberam explicar, de forma correta, esses trabalhos:

De fato, isso de manipular partículas quânticas sem as destruir tem sido noticiado da forma como refere, mas na verdade é um pouco mais complexo do que isso. Quando se detecta um fóton, a maneira usual de fazê-lo implica na destruição dele. A detecção de um fóton faz-se através de um aparelho chamado (logicamente) Fóton-Detector e ele tem a propriedade de absorver o fóton. Sabemos que o fóton estava lá a posteriori através do sinal emitido por esse aparelho, que o detectou e que o destruiu.

No grupo de pesquisa de Serge Haroche utilizaram-se experimentos que permitiram detectar, por exemplo, o número de fótons existentes numa cavidade, sem os destruir. Não é que o estado do sistema fique inalterado, como se fala, mas é uma propriedade do sistema, ou seja, é o número de fótons que fica inalterado. Você detecta esse número de fótons com átomos que passam pela cavidade, e esses átomos “sentem” que os fótons estão lá, mas não os absorvem. Isso é o que se chama de Medida Quântica Não Demolidora, porque ela não destrói, não demole os fótons que estão na cavidade. Contudo, isso não significa que o estado fique inalterado, podendo-se mostrar que esses átomos, que mantêm o número de fótons inalterado, tornam a fase – que é uma propriedade do campo eletromagnético – completamente caótica. Eles alteram a fase do campo, mas não alteram o número de fótons: são propriedades complementares, refere o nosso convidado.

 

Computadores mais velozes e códigos criptográficos inquebráveis (?)

Nesse contexto, conforme explicou Davidovich, o que se chama de Medida Quântica Não Demolidora, em geral, mais não é do que uma medida que não altera a variável que está sendo observada, mas que pode alterar completamente a variável complementar. Pode-se fazer uma Medida Quântica Não Demolidora da velocidade de uma partícula, mas para se fazer isso não se destrói a posição da partícula. Os trabalhos de Haroche e Wineland prevêem, segundo os media, que num futuro próximo possam existir computadores ainda mais velozes e códigos criptográficos inquebráveis. Estas afirmações obrigaram-nos a questionar nosso entrevistado se essa é uma afirmação correta e o que estará para vir depois disso. Enfaticamente, Luiz Davidovich dividiu a questão em duas partes, debruçando-se primeiramente nos códigos inquebráveis ou invioláveis, explicando que a designada criptografia quântica permite a transmissão daquilo a que se chama usualmente de chaves criptográficas: então, o que é uma chave criptográfica?

Quando queremos enviar uma mensagem para uma pessoa amiga que está longe, e queremos codificar essa mensagem, precisamos ter uma chave para fazer isso. E o importante é que ambas as pessoas tenham essa chave – a pessoa que envia a mensagem e a pessoa que vai recebê-la, para decodificá-la. Por isso mesmo, enviar chaves de um lugar para o outro é o ponto crucial dessa operação, referiu Davidovich, exemplificando com o clímax transmitido por qualquer filme de suspense, já que essas chaves podem ser capturadas por um espião, que necessariamente não está interessado nas mensagens propriamente ditas. Assim, se os espiões conseguem as chaves, eles poderão ter acesso a todas as mensagens.

O que a física quântica faz é permitir enviar uma chave, de tal forma que se alguém tentar olhar para ela, imediatamente se descobre que o fez isso. Isso está baseado na propriedade fundamental da física quântica, que diz que você não pode medir o sistema sem alterá-lo. Você pode até fazer medidas que não alteram certa propriedade do sistema, mas vai alterar outra. Então, se uma pessoa tenta descobrir qual a mensagem que está sendo enviada, ela necessariamente modifica essa mensagem. Assim, tanto a pessoa que envia a chave, como aquela que a recebe, podem descobrir que houve uma observação dela e aí a chave deixa de ser confiável, pois comparando ambas elas mostram diferenças, salienta o pesquisador.

Quando perguntamos ao Prof. Luiz Davidovich se isso poderá se tornar uma realidade, o pesquisador respondeu Já é uma realidade. Com efeito, em 2007, as eleições em Genebra (Suíça) foram feitas eletronicamente e os votos foram transportados (para serem contabilizados) através da criptografia quântica. Se alguém quisesse violar um voto que fosse seria descoberto imediatamente. Segundo o nosso entrevistado, esse método está sendo usado também na Áustria e na Suíça para conectar matrizes de bancos às suas filiais, em distâncias curtas, mas esta realidade não fica por aqui.

Hoje, estão sendo feitos experimentos para o envio de chaves quânticas a grandes distâncias. Existe uma cooperação que está sendo realizada entre a China, Europa e Austrália, para fazer tudo isso através de satélites, ou seja, serão usados satélites artificiais para estabelecer chaves quânticas. Fantástico, não é? Então, essa é uma fase da informação quântica que já está sendo implantada, remata Davidovich.

Quanto à computação quântica, que é a segunda parte relacionada à primeira questão que colocamos, segundo o nosso entrevistado ela promete muito, tendo começado a despertar um grande interesse, principalmente em determinadas agências governamentais dos Estados Unidos da América, nomeadamente na NSA – National Security Agency, a partir do momento em que houve uma proposta de um matemático que trabalhava nos laboratórios da ATAT – American Telephone and Telegraph Corporation, que mostrou que alguém que possuísse um computador quântico poderia faturar um número em um espaço de tempo exponencialmente mais rápido do que num computador clássico. Mas, o que é faturar um número? Luiz Davidovich explica.

É decompor em números primos, explica o pesquisador. Por exemplo, 15=5×3. Até aqui, nada de anormal, todo mundo sabe isso. Agora, um número como 3.873.984, fica mais difícil descobrir os fatores primos dele. De fato, nos computadores clássicos, o melhor algoritmo conhecido hoje, para faturar um número, leva um tempo relativamente longo. Por isso mesmo, a faturação de números grandes é a base do método criptográfico muito usado atualmente – método RSA -, extremamente utilizado quando estabelecemos contato com os bancos pela Internet. Assim, quem possuir um computador quântico vai poder quebrar todos os códigos existentes e daí a preocupação da NSA.

A partir desse pressuposto, a NSA implantou uma estratégia muito interessante: ela abriu completamente o tema, sem segredos, e passou a frequentar, através de funcionários altamente capacitados, todas as conferências para as quais eram convidadas pessoas de todo o mundo. Na China, que é onde decorre a maior parte dessas conferências, lá está sempre um funcionário de alto escalão (na maioria das vezes, matemático) devidamente credenciado e identificado pela NSA. A agência americana não quer saber de mais nada a não ser verificar se alguém violou algo, por forma a poder mudar imediatamente seus códigos. Contudo, para fazer com que um computador quântico fature números com mais eficácia de que um computador convencional teria que existir uma máquina com um poder quase inimaginável.

Esse computador imaginário teria que ter 1.000 qbits, colocando esse número num estado emaranhado, o que é algo extremamente difícil, quase impossível. Agora, se vai aparecer o computador quântico baseado nas idéias atuais, para quebrar códigos, eu tenho as minhas dúvidas. Por outro lado, atualmente estão sendo feitas demonstrações muito interessantes de computação quântica, usadas para simular sistemas físicos, e nessas simulações consegue-se fazer coisas extraordinárias, como, por exemplo, simular movimentos de camadas de ar na atmosfera, o que é um tema interessantíssimo para a área de meteorologia, explica o palestrante.

 

Luiz Davidovich versus Serge Haroche

O Prof. Davidovich é amigo pessoal e um dos colaboradores brasileiros mais próximos de Serge Haroche, um dos vencedores do Prêmio Nobel da Física deste ano, e essa colaboração vem de há vinte ou vinte cinco anos. Davidovich desloca-se frequentemente a França, onde participa de conselhos de diversos organismos europeus, e propôs-se a falar um pouco sobre essa relação de trabalho com o pesquisador francês, que remonta ao ano de 1986, quando Luiz Davidovich ainda estava na PUC do Rio de Janeiro.

Foi graças a uma licença sabática que decidi ir para França, onde passei um ano com a equipe de Haroche. Quando cheguei lá, a minha intenção era fazer um experimento sobre um dispositivo chamado micro-maser: o maser é um laser que funciona na região de microondas, na área da luz. O micro-maser é um maser microscópico que funciona com apenas alguns átomos de cada vez, numa cavidade ressonante, e esse micro-maser era algo baseado na transição de dois fótons. Eu achei interessante e comecei a trabalhar na teoria desse micro-maser, uma teoria que, para essa especificação, ainda não tinha sido realizada. Cheguei na França com muita vontade e trabalhei dia e noite, durante fins-de-semana: eu estava cheio de gás. Então, deparei-me com problemas de vária ordem que levaram muito tempo para resolver – inclusive, houve um problema que eu resolvi, imagine, no cinema, em plena exibição de um filme. Então, o que eu fiz foi desenvolver essa teoria e o interessante foi que ela demonstrou que o experimento que estávamos planejando com Haroche tinha que ser modificado e mais tarde comprovou-se tudo isso, na experimentação. Foi fantástica essa experiência, esse trabalho em colaboração com Haroche e sua equipe, que tinham a particularidade de ter um humor deveras refinado, extraordinário, recorda nosso entrevistado, sorrindo.

Depois desse ano na França, Davidovich começou a viajar com freqüência para aquele país, sempre trabalhando junto com Haroche e sua equipe em diversos projetos e idéias, sendo que algumas delas não passaram para a fase experimental por falta de equipamentos, mas que, mesmo assim, estão prontas para isso, como é o caso da teleportação.

De fato, o nosso artigo sobre teleportação foi o primeiro a propor o experimento e, curiosamente, mostrou que dava para fazer a teleportação fazendo uma determinada operação lógica entre átomos e campo, que na verdade mais não era do que uma porta lógica alimentada por computação quântica. Claro que na época não sabíamos isso; apenas chamávamos de porta de fase. Seguidamente, trabalhamos na designada Medida Quântica Não Demolidora, propondo experimentos; no artigo que foi feito com base nesse trabalho conjunto com a equipe de Haroche – que é um dos artigos mais citados –, tivemos a idéia de fazer um experimento que envolveria a produção de um estado do campo eletromagnético análogo ao Gato de Schrodinger, teoria datada de 1935, da autoria do físico Erwin Schrodinger. Nesse experimento seria produzido, numa cavidade, um campo que estaria numa superposição de dois estados, ou seja, uma cavidade acesa e apagada, ao mesmo tempo, uma superposição dessas duas situações. Era uma superposição que você pode interpretar, classicamente, cada uma delas – sabemos o que é uma cavidade acesa e o que é uma cavidade apagada, mas uma cavidade acesa e apagada, ao mesmo tempo, é difícil de imaginar, é impossível imaginar: é como o Gato de Schodinger, que está vivo e morto, ao mesmo tempo. No entanto, isso é uma possibilidade quântica. Na sequência desse artigo, publicamos, em 1996, um outro artigo em que mostramos como é que poderia ser medida essa superposição, mostrando, igualmente, como é que, com o tempo, essa superposição quântica estranha se transforma numa alternativa clássica. Em outras palavras, as propriedades quânticas desaparecem devido ao contato daquele sistema com o ambiente, ou seja, o ambiente destrói as propriedades quânticas. Nós provamos isso, na teoria, explica Davidovich.

Esse experimento foi feito ainda no decurso de 1996 e foi muito badalado na época, exatamente pela propriedade da perda de coerência. Davidovich e Haroche tiveram ainda uma outra cooperação na área de laser, que incidiu sobre uma teoria do laser microscópico.

Foi um trabalho intenso nessa época. Em 1994 transferi-me para a UFRJ e a partir daí dediquei-me exclusivamente á teoria, ao ponto de criar um laboratório – para pasmo da comunidade de físicos. É um laboratório para teóricos, mas com uma interligação fortíssima com a área experimental, que acolhe nomes de grandes pesquisadores. São verdadeiramente fantásticos os resultados obtidos nesse laboratório, com artigos de grande impacto publicados em diversas revistas, como, por exemplo, na Nature ou na Science, recorda o pesquisador.

A colaboração com França deu e continua a dar frutos muito importantes, principalmente para a ciência brasileira. Luiz Davidovich e Serge Haroche orgulham-se de sua amizade e continuam a trocar experiências científicas e a se visitarem mutuamente. Contudo, existem outras colaborações científicas com França, não necessariamente com o grupo de Haroche, que têm contribuído – e muito – para o desenvolvimento da ciência nacional.

E os trabalhos nas universidades brasileiras estão aí, como prova disso.

Rui Sintra – jornalista

13 de março de 2018

Surpresas do Mundo Quântico

No início do século XX, uma revolução conceitual transformou a visão que até então se tinha dos fenômenos naturais. A nova física quântica, desenvolvida por jovens como Einstein, Heisenberg, Schrodinger, Dirac, Bohr, Born, Pauli, Dirac e outros, revelou que as leis que regem o comportamento do mundo microscópico violam a intuição obtida através da observação dos fenômenos macroscópicos que fazem parte de nosso quotidiano.

Apesar de seu aspecto contra-intuitivo, as surpreendentes propriedades do mundo quântico resultaram, ainda no século XX, em aplicações importantes, como o laser, o transistor e a ressonância magnética nuclear.

No início do século XXI, questões importantes sobre sutis efeitos quânticos permanecem sem resposta, ao mesmo tempo que novas idéias surgem sobre outras possíveis aplicações, envolvendo a codificação de informações (criptografia) e computadores quânticos.

Esta palestra apresentará uma introdução aos fenômenos quânticos e algumas das possíveis aplicações que estão sendo consideradas atualmente.

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Resenha

Prof. Dr. Luiz Davidovich

Quando usualmente se fala em transistores, lasers e RMN (ressonância magnética nuclear), não há qualquer tipo de dificuldade em identificar essas denominações, pois elas estão intrinsecamente ligadas às extraordinárias descobertas feitas no século XX. Passada que é a primeira década do século XXI, o mundo científico não quer abrandar a verdadeira revolução que iniciou há cerca de cem anos: o que era inovação ontem, está desatualizado hoje. A velocidade com que a ciência avança em todas as áreas do conhecimento é impressionante. Embora a física tenha contribuído ? e bastante – para esse incrível turbilhão tecnológico, o certo é que o século XXI traz com ele alguns enigmas que estão ligados ao rápido desenvolvimento científico e na procura por mais e melhor. E um dos exemplos de enigmas na física reside nos efeitos quânticos que, por enquanto, ainda não apresentam todas as respostas para os cientistas.

Para debater conosco este tema e suas particularidades, conversamos com um dos mais eminentes físicos brasileiros, o pesquisador, Prof. Dr. Luiz Davidovich, que por ocasião da segunda edição da SIFSC ? Semana Integrada do Instituto de Física de São Carlos, participou no habitual programa intitulado ?Ciência às 19 Horas?, que ocorreu no dia 16 de outubro, com a palestra subordinada ao tema Surpresas do Mundo Quântico.

 

O fenômeno do Emaranhamento

De fato, existem ainda questões em aberto na física quântica, relacionadas com problemas antigos que foram formulados em 1935 por Einstein, Podolsky e Rosen, através de um famoso artigo científico que resultou do designado Paradoxo de EPR, no qual se levantou um dos problemas mais fundamentais da teoria quântica ? saber se a mecânica quântica era uma teoria completa, ou se, pelo contrário, continha variáveis escondidas que tinham a ver com o fenômeno do Emaranhamento. Segundo Davidovich, esse fenômeno tem ocupado as mentes dos físicos durante décadas e provocou inúmeras discussões filosóficas entre os anos de 1935 e 1960.

Só em 1964 é que foi possível dar uma formulação matemática a todos esses debates, através da teoria de John Stewart Bell, que, no meu entender, foi uma das grandes contribuições da física no século XX. O que despertava a curiosidade e atenção dos físicos e filósofos dessa época era o fato de que o fenômeno do Emaranhamento, que Einstein classificou como fantasmagórico, poderia talvez ser explicado pela teoria designada de variáveis escondidas: por outras palavras, o Emaranhamento estava associado a correlações muito fortes entre dois objetos e acreditava-se que talvez uma teoria alternativa de física quântica poderia explicar essas correlações, comenta o pesquisador.

De fato, em 1964 John Bell mostrou que havia experimentos que poderiam diferenciar as previsões da teoria quântica e as previsões dessas teorias alternativas. Os experimentos foram realizados e estabeleceu-se que, de fato, as teorias alternativas não eram adequadas para descrever esse fenômeno. Ganhou-se, nos últimos anos, uma enorme compreensão sobre esse fenômeno do Emaranhamento, mas ainda há questões em aberto, conforme explica Davidovich.

Einstein, Podolsky e Rosen referiam-se ao Emaranhamento entre duas partículas, entre dois corpos. Hoje, são produzidos estados emaranhados de muitas partículas. Por exemplo, em laboratórios na Áustria, são produzidos estados emaranhados de catorze átomos. Como entender a matemática desses estados, como classificar o emaranhamento desses estados? Como ordenar esses estados de acordo com a quantidade de emaranhamento que possuem? Tudo isso é uma questão em aberto na física e na matemática e por isso é interessante verificar que essas questões, tão básicas da física contemporânea, encontram ainda sérios desafios muito fortes.

Também apareceram novas ideias para futuras aplicações, que envolvem a criptografia e o aparecimento dos computadores quânticos, tendo como base os trabalhos vencedores do Prêmio Nobel da Física ? 2012, da autoria do francês Serge Haroche e do americano David Wineland, que conseguiram manipular partículas quânticas sem as destruir. Para o Prof. Luiz Davidovich, essa história não está bem contada, pois os media ainda não souberam explicar, de forma correta, esses trabalhos:

De fato, isso de manipular partículas quânticas sem as destruir tem sido noticiado da forma como você refere, mas na verdade é um pouco mais complexo do que isso. Quando se detecta um fóton, a maneira usual de fazê-lo implica na destruição dele. A detecção de um fóton faz-se através de um aparelho chamado (logicamente) Fóton-Detector e ele tem a propriedade de absorver o fóton. Sabemos que o fóton estava lá a posteriori através do sinal emitido por esse aparelho, que o detectou e que o destruiu. No grupo de pesquisa de Serge Haroche utilizaram-se experimentos que permitiram detectar, por exemplo, o número de fótons existentes numa cavidade, sem os destruir. Não é que o estado do sistema fique inalterado, como se fala, mas é uma propriedade do sistema, ou seja, é o número de fótons que fica inalterado. Você detecta esse número de fótons com átomos que passam pela cavidade, e esses átomos sentem que os fótons estão lá, mas não os absorvem. Isso é o que se chama de Medida Quântica Não Demolidora, porque ela não destrói, não demole os fótons que estão na cavidade. Contudo, isso não significa que o estado fique inalterado, podendo-se mostrar que esses átomos, que mantêm o número de fótons inalterado, tornam a fase ? que é uma propriedade do campo eletromagnético ? completamente caótica. Eles alteram a fase do campo, mas não alteram o número de fótons: são propriedades complementares, refere o nosso convidado.

 

Computadores mais velozes e códigos criptográficos inquebráveis (?)

Nesse contexto, conforme explicou Davidovich, o que se chama de Medida Quântica Não Demolidora, em geral, mais não é do que uma medida que não altera a variável que está sendo observada, mas que pode alterar completamente a variável complementar. Pode-se fazer uma Medida Quântica Não Demolidora da velocidade de uma partícula, mas para se fazer isso não se destrói a posição da partícula. Os trabalhos de Haroche e Wineland prevêem, segundo os media, que num futuro próximo possam existir computadores ainda mais velozes e códigos criptográficos inquebráveis. Estas afirmações obrigaram-nos a questionar nosso entrevistado se essa é uma afirmação correta e o que estará para vir depois disso. Enfaticamente, Luiz Davidovich dividiu a questão em duas partes, debruçando-se primeiramente nos códigos inquebráveis ou invioláveis, explicando que a designada criptografia quântica permite a transmissão daquilo a que se chama usualmente de chaves criptográficas: então, o que é uma chave criptográfica?

Quando queremos enviar uma mensagem para uma pessoa amiga que está longe, e queremos codificar essa mensagem, precisamos ter uma chave para fazer isso. E o importante é que ambas as pessoas tenham essa chave ? a pessoa que envia a mensagem e a pessoa que vai recebê-la, para decodificá-la. Por isso mesmo, enviar chaves de um lugar para o outro é o ponto crucial dessa operação, referiu Davidovich, exemplificando com o clímax transmitido por qualquer filme de suspense, onde um espião dá a vida para capturar essas chaves, já que, na verdade, ele não está interessado nas mensagens propriamente ditas. Assim, se os espiões conseguem as chaves, eles poderão ter acesso a todas as mensagens.

O que a física quântica faz é permitir enviar uma chave, de tal forma que se alguém tentar olhar para ela, imediatamente se descobre que o fez isso. Isso está baseado na propriedade fundamental da física quântica, que diz que você não pode medir o sistema sem alterá-lo. Você pode até fazer medidas que não alteram certa propriedade do sistema, mas vai alterar outra. Então, se uma pessoa tenta descobrir qual a mensagem que está sendo enviada, ela necessariamente modifica essa mensagem. Assim, tanto a pessoa que envia a chave, como aquela que a recebe, podem descobrir que houve uma observação dela e aí a chave deixa de ser confiável, pois comparando ambas elas mostram diferenças, salienta o pesquisador.

Quando perguntamos ao Prof. Luiz Davidovich se isso poderá se tornar uma realidade, o pesquisador respondeu Já é uma realidade. Com efeito, em 2007, as eleições em Genebra (Suíça) foram feitas eletronicamente e os votos foram transportados (para serem contabilizados) através da criptografia quântica. Se alguém quisesse violar um voto que fosse seria descoberto imediatamente. Segundo o nosso entrevistado, esse método está sendo usado também na Áustria e na Suíça para conectar matrizes de bancos às suas filiais, em distâncias curtas, só que esta realidade não fica por aqui.

Hoje, estão sendo feitos experimentos para o envio de chaves quânticas a grandes distâncias. Existe uma cooperação que está sendo realizada entre a China, Europa e Austrália, para fazer tudo isso através de satélites, ou seja, serão usados satélites artificiais para estabelecer chaves quânticas. Fantástico, não é? Então, essa é uma fase da informação quântica que já está sendo implantada, remata Davidovich.

Quanto à computação quântica, que é a segunda parte relacionada com a primeira questão que colocamos, segundo o nosso entrevistado, ela promete muito, tendo começado a despertar um grande interesse, principalmente em determinadas agências governamentais dos Estados Unidos da América, nomeadamente na NSA ? National Security Agency, a partir do momento em que houve uma proposta de um matemático que trabalhava nos laboratórios da ATAT ? American Telephone and Telegraph Corporation, que mostrou que alguém que possuísse um computador quântico poderia faturar um número em um espaço de tempo exponencialmente mais rápido do que num computador clássico. Mas, o que é faturar um número? Luiz Davidovich explica.

É decompor em números primos, pontua o pesquisador. Por exemplo, 15=5×3. Até aqui, nada de anormal, todo mundo sabe isso. Agora, um número como 3.873.984, fica mais difícil descobrir os fatores primos dele. De fato, nos computadores clássicos, o melhor algoritmo conhecido hoje para faturar um número, leva um tempo relativamente longo. Por isso mesmo, a faturação de números grandes é a base do método criptográfico muito usado atualmente ? método RSA -, extremamente utilizado quando estabelecemos contato com os bancos pela Internet. Assim, quem possuir um computador quântico vai poder quebrar todos os códigos existentes e daí a preocupação da NSA.

A partir desse pressuposto, a NSA implantou uma estratégia muito interessante: ela abriu completamente o tema, sem segredos, e passou, através de funcionários altamente capacitados, a frequentar as conferências para as quais eram convidadas pessoas de todo o mundo. Na China, que é onde decorre a maior parte dessas conferências, lá está sempre um funcionário de alto escalão – na maioria das vezes, matemático – devidamente credenciado e identificado pela NSA. A agência americana não quer saber de mais nada a não ser verificar se alguém violou algo, por forma a poder mudar imediatamente seus códigos. Contudo, para fazer com que um computador quântico fature números com mais eficácia de que um computador convencional teria que existir uma máquina com um poder quase inimaginável.

Esse computador imaginário teria que ter 1.000 qbits, colocando esse número num estado emaranhado, o que é algo extremamente difícil, quase impossível. Agora, se vai aparecer o computador quântico baseado nas idéias atuais, para quebrar códigos, eu tenho as minhas dúvidas. Por outro lado, atualmente estão sendo feitas demonstrações muito interessantes de computação quântica, usadas para simular sistemas físicos, e nessas simulações consegue-se fazer coisas extraordinárias, como, por exemplo, simular movimentos de camadas de ar na atmosfera, o que é um tema interessantíssimo para a área de meteorologia, explica o palestrante.

 

Luiz Davidovich versus Serge Haroche

O Prof. Davidovich é amigo pessoal e um dos colaboradores brasileiros mais próximos de Serge Haroche, um dos vencedores do Prêmio Nobel da Física deste ano, e essa colaboração vem de há vinte ou vinte cinco anos. Davidovich desloca-se frequentemente a França, onde participa de conselhos de diversos organismos europeus, e propôs-se a falar um pouco sobre essa relação de trabalho com o pesquisador francês, que remonta ao ano de 1986, quando Luiz Davidovich ainda estava na PUC do Rio de Janeiro.

Foi graças a uma licença sabática que decidi ir para França, onde passei um ano com a equipe de Haroche. Quando cheguei lá, a minha intenção era fazer um experimento sobre um dispositivo chamado micro-maser: o maser é um laser que funciona na região de microondas, na área da luz. O micro-maser é um maser microscópico que funciona com apenas alguns átomos de cada vez, numa cavidade ressonante, e esse micro-maser era algo baseado na transição de dois fótons. Eu achei interessante e comecei a trabalhar na teoria desse micro-maser, uma teoria que, para essa especificação, ainda não tinha sido realizada. Cheguei na França com muita vontade e trabalhei dia e noite, durante fins-de-semana: eu estava cheio de gás. Então, deparei-me com problemas de vária ordem que levaram muito tempo para resolver ? inclusive, houve um problema que eu resolvi, imagine, no cinema, em plena exibição de um filme. Então, o que eu fiz foi desenvolver essa teoria e o interessante foi que ela demonstrou que o experimento que estávamos planejando com Haroche tinha que ser modificado e mais tarde comprovou-se tudo isso, na experimentação. Foi fantástica essa experiência, esse trabalho em colaboração com Haroche e sua equipe, que tinham a particularidade de ter um humor deveras refinado, extraordinário, recorda nosso entrevistado, sorrindo.

Depois desse ano na França, Davidovich começou a viajar com freqüência para lá, sempre trabalhando junto com Haroche e sua equipe em diversos projetos e idéias, sendo que algumas delas não passaram para a fase experimental por falta de equipamentos, mas que, mesmo assim, estão prontas para isso, como é o caso da teleportação.

De fato, o nosso artigo sobre teleportação foi o primeiro a propor o experimento e, curiosamente, mostrou que dava para fazer a teleportação fazendo uma determinada operação lógica entre átomos e campo, que na verdade mais não era do que uma porta lógica alimentada por computação quântica. Claro que na época não sabíamos isso; apenas chamávamos de porta de fase. Seguidamente, trabalhamos na designada Medida Quântica Não Demolidora, propondo experimentos; no artigo que foi feito com base nesse trabalho conjunto com a equipe de Haroche ? que é um dos artigos mais citados ?, tivemos a idéia de fazer um experimento que envolveria a produção de um estado do campo eletromagnético análogo ao Gato de Schrodinger, teoria datada de 1935, da autoria do físico Erwin Schrodinger. Nesse experimento, seria produzido, numa cavidade, um campo que estaria numa superposição de dois estados, ou seja, uma cavidade acesa e apagada, ao mesmo tempo, uma superposição dessas duas situações. Era uma superposição que você pode interpretar, classicamente, cada uma delas ? sabemos o que é uma cavidade acesa e o que é uma cavidade apagada, mas uma cavidade acesa e apagada, ao mesmo tempo, é difícil de imaginar, é impossível imaginar: é como o Gato de Schodinger, que está vivo e morto, ao mesmo tempo. No entanto, isso é uma possibilidade quântica. Na sequência desse artigo, publicamos, em 1996, um outro artigo em que mostramos como é que poderia ser medida essa superposição, mostrando, igualmente, como é que, com o tempo, essa superposição quântica estranha se transforma numa alternativa clássica. Em outras palavras, as propriedades quânticas desaparecem devido ao contato daquele sistema com o ambiente, ou seja, o ambiente destrói as propriedades quânticas. Nós provamos isso, na teoria, explica Davidovich.

Esse experimento foi feito ainda no decurso de 1996 e foi muito badalado nessa época, exatamente pela propriedade da perda de coerência. Davidovich e Haroche tiveram ainda uma outra cooperação na área do laser, que incidiu sobre uma teoria do laser microscópico.

Foi um trabalho intenso nessa época. Em 1994 transferi-me para a UFRJ e a partir daí dediquei-me exclusivamente á teoria, ao ponto de criar um laboratório ? para pasmo da comunidade de físicos. É um laboratório para teóricos, mas com uma interligação fortíssima com a área experimental, que acolhe nomes de grandes pesquisadores. São verdadeiramente fantásticos os resultados obtidos nesse laboratório, com artigos de grande impacto publicados em diversas revistas, como, por exemplo, na Nature ou na Science, recorda o pesquisador.

A colaboração com França deu e continua a dar frutos muito importantes, principalmente para a ciência brasileira. Luiz Davidovich e Serge Haroche orgulham-se de sua amizade e de seus trabalhos, continuando a trocar experiências científicas e a se visitarem mutuamente. Contudo, existem outras colaborações científicas com França, não necessariamente com o grupo de Haroche, que têm contribuído ? e muito – para o desenvolvimento da ciência nacional. E as universidades brasileiras estão aí, como prova disso.

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