Geografia e História… do Universo!
Em mais uma edição do programa “Ciência às 19 Horas”, o Auditório Prof. Sérgio Mascarenhas (IFSC-USP) foi o palco para mais uma palestra que ocorreu no dia 29 de abril último, onde o PrProf. Dr. Raul Abramo, docente e pesquisador do Instituto de Física (IFUSP) e do NAP LabCosmos / Universidade de São Paulo, discorreu sobre o tema Geografia e História… do Universo.
No início, há 14,3 bilhões de anos, o universo estava num estado totalmente caótico. Ao longo do tempo, a força da gravidade foi estabelecendo uma ordem, que atualmente se manifesta por meio de inúmeras galáxias, estrelas, planetas e assim por diante.
Hoje, sabemos que o nosso sistema solar é apenas um entre bilhões de sistemas planetários semelhantes na nossa galáxia (a Via Láctea) e também sabemos que essa Via Láctea é apenas uma entre uma infinidade de galáxias no universo.
O Prof. Dr. Raul Abramo, do Instituto de Física da USP (IFUSP) é um pesquisador que, quando possível, explana, através de palestras dedicadas ao público em geral, o panorama daquilo que ele considera ser a diversidade “ecológica” do universo, utilizando uma espécie de breve excursão pelo zoológico de objetos astronômicos, tais como estrelas canibais, buracos negros supermassivos e enxames de galáxias, abordando, igualmente, os principais mistérios da cosmologia na atualidade, que são as misteriosas substâncias conhecidas como matéria escura e energia escura.
Em entrevista a Raul Abramo, um pouco antes de sua palestra no nosso Instituto, quisemos aprofundar um pouco daquilo que ele chama de diversidade ecológica do Universo, que, segundo o pesquisador, é um panorama pouco familiar para a maioria da população, já que ela está mais acostumada a assistir a programas relacionados com a natureza da Terra – do seu próprio planeta – e a entender um pouco mais das particularidades terrenas, como, por exemplo, do deserto do Saara ou do fundo dos oceanos. Abramo salienta que para poderem ter uma visão do Universo, as pessoas precisam estar preparadas para terem uma visão mais abrangente e completa do lugar comum: existem escalas de tempo e de tamanho diferentes, objetos diferentes, enfim, tudo é diferente: As pessoas não têm noção de qual é a dimensão e nem o que vive na dimensão do Universo, o que as coisas estão fazendo, qual a dinâmica daquilo que está acontecendo, como é que os objetos evoluem… Assim como você tem um ambiente que lhe é familiar – o do nosso planeta Terra, onde as coisas nascem, crescem, morrem e são substituídas por outras -,o mesmo acontece no universo, só que em uma escala quase que incompreensivelmente maior, sublinha o pesquisador.
Contudo, o curioso é que a forma como os cientistas observam o universo – de maneira muito particular -, contempla a história no tempo e a história no espaço, que estão misturadas; ou seja, as duas são uma única coisa, exatamente porque eles veem o Universo de forma muito particular, porque ao mesmo tempo em que existem limites, aqui na Terra, eles por outro lado recebem milhões de informações que chegam ininterruptamente, vindas dos confins do universo.
Por exemplo, as galáxias, que mostram como sua distribuição no Universo é particular, guardando uma espécie de memória de como o universo começou, numa espécie de sopa primordial, ou seja, de uma forma muito caótica. Podemos perguntar como é que, em cerca de 15 bilhões de anos, o Universo conseguiu arrumar tudo? De fato, quem fez isso e quem continua a fazer é a própria força da gravidade, cuja teoria moderna sobre esse tema está comemorando cem anos. A história sobre como essa sopa primordial – uma ótima expressão inventada pelo russo George Ganov -, como esse caos começou: Essa história gerou tudo o que está aí, com a constatação de que há uma diversidade absurda, comparativamente à da Terra. O universo tem infinitas outras terras com essa diversidade e tudo isso nasceu de um estado caótico, mas ao mesmo tempo extremamente simples, pontua o pesquisador.
Bilhões de sistemas planetários semelhantes à nossa galáxia é uma grandeza que não dá para imaginar e é difícil de entender, embora a utilização da termo bilhões seja uma conjectura, já que o horizonte mais real poderá ser o infinito. Até onde se sabe, o Universo é infinito no espaço, mas, por outro lado, ele não é infinito no tempo, o que significa dizer que a geografia do Universo pode ser infinitivamente diversa, mas a história dele não, sendo quase certo que ela tem pouco mais de 14 bilhões de anos. Segundo Abramo, não há um fim previsto para o Universo. Não há nenhuma indicação de que o Universo vá terminar com uma explosão ou implosão. Só na nossa galáxia deve haver milhões de terras; imagina nos outros bilhões e bilhões de galáxias que já conhecemos, imagina, ainda, nos outros muitos bilhões que ainda não vimos, mas que iremos ver um dia, e nos possíveis bilhões que nunca chegaremos a ver, diz Raul Abramo.
Já no quesito de matéria escura e energia escura, o cientista da USP afirma que pouco há a dizer sobre elas, até porque pouco se sabe. Os átomos – a matéria normal – representa apenas 4% de tudo o que existe no Universo, sendo que os 96% restantes são formas de matéria e de energia que se desconhecem por completo. Na teoria atual que descreve o Universo existem indicações muito fortes de que estão faltando muitas coisas, enquanto muitas pessoas afirmam que nossa teoria está errada.
Para Abramo, ambas as hipóteses são possibilidades interessantes de se considerar, porque falta uma teoria melhor e, claro, muita observação. Para você ter uma ideia, foi só nos últimos dez anos que conseguimos avançar consideravelmente, com profundidade, no conhecimento dessa geografia do universo. Na verdade, há muito tempo que sabemos que o universo se expande, que teve um início muito quente e denso há alguns bilhões de anos, mas, em detalhe, só nos últimos dez anos é que tivemos constatações claras. Então, é muito recente esse conhecimento detalhado sobre o universo. A grande diferença não foi do lado teórico, mas sim do lado das observações, graças aos avanços da tecnologia, pois sem isso não estaríamos com um monte de dados, observações e descobertas, inclusive com a descoberta de que o universo está se expandindo de maneira acelerada. Então, tem tudo a descobrir ainda. Essa imagem não está terminada. Ainda temos tudo para fazer, enfatiza o pesquisador.
O avanço das observações do Universo está diretamente relacionado com o lançamento do telescópio Hubble, que está completando 25 anos de atividade, mas em termos de cosmologia o seu papel foi limitado. Ele foi importante porque forneceu imagens maravilhosas e detectou objetos com uma precisão nunca antes conseguida, mas, para conhecer a grande escala do cosmos, é necessário ter outros tipos de instrumentos, conforme exemplifica Abramo. Se você segurar uma moeda de dez centavos com a ‘cara’ a um metro, o pingo do ‘i’ corresponde ao tamanho do campo de visão do Hubble. Então, o Hubble pode muito bem permitir conhecer uma região muito pequena, onde tem uma, duas ou algumas galáxias muito localizadas, enquanto que para conhecer o cosmos a gente precisa observar grandes áreas do céu. Então, necessitamos de outros tipos de telescópios, que já começaram a ser construídos nos últimos quinze anos e que cada vez mais estão se tornando importantes.
O Chile é o lugar onde existe, atualmente, um maior número de telescópios. Tem outros países que também possuem telescópios com a característica de conseguir mapear grandes volumes do universo rapidamente e isso permitiu grandes avanços. O Brasil tem várias iniciativas, como, por exemplo, o ESO, o GMT, que é um telescópio gigante, bem como em outros vários levantamentos do cosmos, que permitiu ao nosso país participar desses grandes experimentos e observações do universo que estão acontecendo agora.
Vamos aguardar um pouco mais, para ver até onde a pesquisa do Universo nos pode levar e quais as novas fronteiras que estão por descobrir.
(Rui Sintra – jornalista)