A Eugenia Natural de Darwin: Genética e Evolução de uma Ideia
Eugenia é um termo criado pelo cientista Francis Galton para indicar o estudo dos agentes sob o controle social – seja ele física ou mental – que podem melhorar ou empobrecer as qualidades raciais das futuras gerações. Em outras palavras, é o próprio Homem que direciona sua própria evolução através da seleção dos caracteres mais desejáveis, como força física e inteligência, na forma de cruzamentos entre indivíduos “mais aptos”, com a eliminação dos “menos aptos” ou “fracos”.
Foi sob esta perspectiva inicial que tivemos a oportunidade de falar com o Prof. Dr. Marcelo Briones, atual Coordenador do Laboratório de Genômica Evolutiva e Biocomplexidade da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), palestrante convidado em mais edição do programa “Ciência às 19 Horas” que ocorreu no dia 29 de abril, no IFSC-USP, numa apresentação subordinada ao tema A Eugenia Natural de Darwin: Genética e Evolução de uma Ideia.
Tal como citado no resumo de sua palestra, terá sido o primo de Galton, Charles Darwin, que propôs uma teoria sobre a evolução das espécies como sendo produto de um mecanismo gradual de seleção natural de pequenas alterações aleatórias, que gerariam novas espécies a partir de espécies ancestrais, onde os descendentes mais aptos sobreviveriam com mais eficiência na competição pela existência. Segundo o citado resumo, usualmente aprende-se que a teoria evolutiva “natural” apareceu antes das teorias do darwinismo social e eugenia.
Na referida palestra, o nosso entrevistado procurou demonstrar que, na realidade, foram as teorias de seleção social de cunho malthusiano e influenciadas pelo cientista social Herbert Spencer, que influenciaram a teoria da seleção natural. Briones mostrou, ainda, como todos estes personagens da seleção natural e de sua “filha” obrigatória – a eugenia – eram conectados pela filiação de seus ancestrais à Sociedade Lunar de Birmingham e que muito do que é apresentado como acidental e inspiratório tem uma conexão muito forte com as teorias de superioridade racial da elite do império britânico, que estava em plena expansão durante a era vitoriana e que necessitava de uma justificativa moral e “natural” para a dominação de outros povos, em estágios “evolutivamente mais atrasados”.
Uma das “provocações” lançadas por Marcelo Briones ao vasto lote de espectadores que marcou presença no Auditório Sérgio Mascarenhas, foi a questão – a ciência influencia a sociedade ou a sociedade influencia a ciência? Simultaneamente, o palestrante disponibilizou inúmeros dados e documentação que mostraram a existência de uma íntima ligação entre os grupos darwinistas mais radicais, as sociedades de eugenia, os programas de esterilização de incapacitados nos Estados Unidos, o laboratório de eugenia genética de “Cold Spring Harbor” e a conexão com o programa de eugenia nazista, onde um proeminente geneticista americano – Dr. Charles Davenport – foi um dos mais ativos contribuintes. Já na parte final de sua apresentação, Briones mostrou, através de seu ponto de vista, como os programas de eugenia continuam ativos, mas de um modo mais dissimulado em técnicas de genética e reprodução humana, tendo apontado os nomes de Richard Dawkins e James Watson como seus mais visíveis defensores atuais, com a apresentação de algumas visões atuais não-darwinistas da evolução, defendidas por cientistas como, Lynn Margulis, Carl Woese e a epigenética de Eva Jablonka.
Mas, independente daquilo que foi apresentado na citada palestra, a principal questão é: de que forma é que se demonstra que foram as teorias de seleção social que influenciaram a teoria da seleção natural? Esta foi exatamente a primeira questão colocada a Marcelo Briones, em entrevista realizada um pouco antes de sua apresentação. Para nosso entrevistado, esse conceito não é uma ideia dele, já que existem vários autores abordando esse tema, entre eles um professor espanhol muito famoso – Maximo Sandin -, da Universidade Autônoma de Madrid, que confirma a já longa existência de uma influência das teorias sociais em cima das teorias naturais: “Quando se observam as datas das publicações, vê-se nitidamente que as teorias sociais antecedem as publicações das origens das espécies, pontua Briones, dando como exemplo o livro de Herbert Spencer – “Estática Social”-, datado de 1851, e o livro de Darwin, cuja primeira edição é de 1859, ou seja, publicado oito anos depois: Então, o próprio Darwin, na bibliografia dele, agradece a Malthus, porque foi com a leitura de seus escritos que ele passou a ter uma teoria sobre a qual trabalhar – a teoria Malthusiana -, que sinaliza que os recursos naturais crescem em progressão aritmética e as populações crescem em progressão geométrica. Portanto, existe um ponto no tempo onde vai haver, necessariamente, uma competição cada vez maior pelos recursos disponíveis. Essa competição vai eliminar os mais fracos e promover a sobrevivência dos mais fortes e essa era exatamente a visão inglesa nessa época, salienta o pesquisador da UNIFESP, que enfatiza que Maximo Sandin vai mais longe ao afirmar que a teoria darwinista é um braço científico da teoria do livre mercado de Adam Smith.
Ao realizar, em 2011, um sabático interno em seu laboratório, como consequência de um trabalho numa linha de pesquisa designada de “Evolução Microbiana Experimental”, Marcelo Briones estudou e refletiu sobre os antecedentes das bases do pensamento evolucionário – como elas foram formadas e os primeiros autores, como Darwin e Lamarck, dentre outros, e as provas que conseguiu reunir foram traduzidas em inúmeros trechos de textos, bem como as datas anteriores de toda a lógica social da Inglaterra: Realmente, quando você olha todo o contexto dessas obras, a impressão que você tem é que a teoria de Darwin caiu como uma luva numa sociedade vitoriana, imperialista e que estava se expandindo muito; aquilo serviu como uma justificativa naturalista para a dominação inglesa no mundo, pontua Briones.
O nazismo e a pureza racial “ariana”: consequências para o futuro
As ideias de eugenia e de pureza racial ultrapassaram as fronteiras britânicas e expandiram-se para os Estados Unidos e daí para a então Alemanha nazista, onde ganharam conotações muito pesadas, principalmente através da influência da ariosofia de Madame Blavatsky. Segundo Briones, quem ensinou os nazistas a fazer eugenia e esterilização em massa foram os americanos, especificamente um pesquisador chamado Charles Davenport, um geneticista famoso que possuía um centro – o Eugenic Record Office -, em Cold Spring Harbor, financiado pela Rockfeller Foundation e pela Carnegie Institution, duas instituições que se encontram sempre presentes em qualquer evento científico que envolva controle social. Para Briones, o exemplo de a Alemanha ter querido instituir a raça ariana como pura, é verdadeiramente assustador: Sempre pensei que o nazismo era um sistema político ou uma ideologia, como o comunismo, mas não era. O nazismo era o que os alemães chamavam de visão de mundo, muito influenciado pelo ocultismo da Helena Blavatsky (nome de casada) – que não era russa, mas sim ucraniana e cujo nome de solteira era Helena von Hahn. Ela tinha toda uma teoria sobre a evolução das raças humanas, que era a teosofia dela. E foi Helena Blavatsky que implantou essa doutrina do nazismo, introduzindo, inclusive, o símbolo da suástica. Ela fez meditação com os monges budistas, no Tibete, meditando sobre a raça ariana, sobre o Deus do Fogo – protetor dos arianos – e nessa meditação ela viu a cruz suástica: daí a relação da suástica como o símbolo da raça ariana, explica Briones.
Segundo o nosso entrevistado, os nazistas foram muito influenciados por dois autores: Jörg Lanz Von Liebenfels e o Guido Von List. Na Áustria e Alemanha, ainda no Século XIX, surgiu um movimento que considerava o Cristianismo como uma influência deletéria do judaísmo na civilização alemã e que isso teria destruído os espíritos dos cavaleiros arianos puros. Como consequência, o nazismo terá sido uma mistura dessa eugenia britânica, dessa parte científica, com a mentalidade desse ocultismo todo, que vem pelo outro lado, via Guido Von List e Liebenfels. Uma das peças deste imenso quebra-cabeça decifrado por Briones leva a Jörg Lanz Von Liebenfels que publica uma revista chamada “Ostara”, cujo nome é exatamente o de uma deusa da primavera, figura do folclore nórdico-saxão; e é essa deusa que dá o nome da Páscoa, “Easter” – que vem de Ostara, sendo que era nessa mesma revista que se publicavam todas as citadas doutrinas, tanto do viés genético superior ariano, quanto do viés ocultista: Imaginem quem era um dos assíduos leitores dessa publicação? Adolf Hitler, que tinha em sua casa todas as edições da “Ostara”. Isso teve uma influência enorme. Nessa época, Hitler entra numa sociedade chamada Sociedade Thule. Então, ele já tinha toda a parte do misticismo nazista formado, fortemente anticristão, porque para os nazistas o Cristianismo era uma força que estava destruindo o espírito germânico. Quando Charles Davenport vem dos EUA com as técnicas genéticas, aquilo foi a mão e a luva para o nazismo iniciar o seu programa de eugenia, que é o mais agressivo, até hoje, enfatiza Briones. Hitler dizia que o ato de matar os doentes mentais era uma ação de bondade extrema, porque você estava libertando o espírito de um corpo defeituoso. Para Briones, isso começou com os deficientes mentais. Esterilização, aborto e eutanásia são os três grandes instrumentos das políticas eugenistas: Isso é chamado de eugenia negativa – você elimina os fracos da população. E o argumento que eles tinham era uma justificação natural de que a natureza faz isso. Por isso que Darwin é importante, pontua o pesquisador.
Esse caso de eugenia relatado por Briones é, em sua opinião, um caso clássico, onde pela primeira vez uma ideia, ou descoberta científica, foi implementada como um programa de estado, colocando a religião totalmente de lado. Para o nosso entrevistado, os indivíduos que estavam por trás desta metodologia eram extremamente inteligentes e conseguiram passar sua mensagem adiante: Se você pesquisar quem é que faz parte da lista de membros da “British Eugenics Society”, você vai cair para trás. Estão lá personalidades como, Neville Chamberlain, John Maynard Keynes, Margaret Sanger – do “Planned Parenthood” -, vários geneticistas famosos, até o próprio filho de Darwin. A lista ainda existe, só mudou de nome: ela passou de “British Eugenics Society” para “Galton Institute”, mas é a mesma coisa, ela continua existindo e os objetivos são os mesmos, sublinha Marcelo Briones.
Algo interessante revelado por nosso entrevistado é que os programas de eugenia continuam, só que de forma “underground”, dissimulados. Briones afirma que o discurso mudou, sendo que a eugenia está agora presente em duas frentes: A eugenia está nesse negócio de terapia gênica: tudo que é terapia gênica, para consertar o ser humano, tem a mão desse pessoal aí no meio; e o outro lado da eugenia é esse negócio de proteger a terra – ‘a terra está populosa demais’, ‘é preciso matar milhões de pessoas para que existam recursos naturais suficientes para todos‘ -, eles sempre apresentam isso como benefício, mas os instrumentos que existem nos bastidores sempre são os mesmos e você pode ver que essas pessoas estão conectadas com o pró-aborto e a pró-eutanásia. Recentemente, li um artigo no “Journal of Medical Ethics”, de uma italiana e de um professor de filosofia, advogando algo que eles classificam como “aborto pós-natal”. O que eles diziam? Que depois de uma criança nascer, até mais ou menos três semanas depois do parto, ela ainda pode ser considerada um feto e, portanto, você pode eutanasiar ela. Eles estão tentando legalizar um aborto pós-natal. Eles dizem que aquilo ainda não é um indivíduo, é uma massa de célula. Geralmente, as características mais desejáveis são as nórdicas, isso é nítido. Essa influência é inevitável, conclui o pesquisador.
(Rui Sintra – jornalista)