Palestra

Christiaan Huygens, a Helena da geometria e o tempo aprisionado

Data da Palestra: 19/06/2012
Palestrante: Prof. Dr. Carlos Farina de Souza
Instituição: Instituto de Física - UFRJ
Palestra nr: 72

O matemático, físico e astrônomo holandês Christiaan Huygens desenvolveu uma obra fascinante, com diversas observações astronômicas, incluindo a descoberta de um anel em torno de Saturno, estudos sobre mecânica, em particular sobre pêndulos, e estudos sobre ótica. Huygens passou décadas de sua vida tentando aprimorar cronômetros marítimos.

Aprisionar o tempo com precisão era crucial para a medição da longitude, tão necessária para as navegações da época. Nesta palestra, descreveremos como Huygens construiu um pêndulo isócrono (de período independente da amplitude), pois achava que isso seria muito útil para o funcionamento dos relógios de pêndulo em alto mar. Huygens não teve êxito em suas tentativas iniciais, mas acabou beneficiado pelo acaso.

Em 1658, o filósofo, matemático e físico francês Blaise Pascal foi acometido por uma forte dor de dente que só diminuiu depois que ele, em um ato de desespero, tentou se distrair resolvendo vários problemas sobre a ciclóide, curva que se tornou conhecida como “Helena da Geometria”, tantas foram as disputas causadas por ela entre os geômetras.

Relataremos como a dor de dente de Pascal mudou o curso da história, levando Huygens à construção de um pêndulo isócrono. Trata-se de um episódio fascinante da história da ciência onde não só a genialidade e o trabalho árduo de um cientista estiveram presentes, mas também o acaso conspirou a favor.

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Resenha

Prof. Dr. Carlos Farina de Souza

A edição de junho do programa Ciência às 19 Horas, organizado mensalmente pelo IFSC, contou com o Prof. Dr. Carlos Farina de Souza, docente do Instituto de Física da UFRJ, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, para falar da vida e obra do matemático, físico e astrônomo holandês, Christiaan Huygens, um dos mais proeminentes cientistas do Século XVII. A palestra de Carlos Farina de Souza realizou-se no dia 19 de junho, pelas 19 horas, no Auditório Prof. Sérgio Mascarenhas (IFSC-USP) e foi subordinada ao tema Christiaan Huygens, a Helena da geometria e o tempo aprisionado.

Nascido em berço de ouro, no ano de 1629, na Holanda, Christiaan Huygens cresceu no seio de sua família abastada, sempre rodeado de inúmeras personalidades influentes na área científica, social e política, o que terá contribuído para que se tornasse uma das maiores figuras nas áreas da matemática, astronomia e física, tendo, inclusive, desenvolvido novos conceitos que viriam a ser utilizados para uma melhor observação do céu, através dos telescópios.

Embora não tenha sido o percursor do telescópio, Galileu conseguiu observar coisas incríveis no céu e percebeu que aquilo que parecia perfeito, à primeira vista, afinal não era: o Sol tinha uma enorme mancha escura, a Lua afinal não tinha uma superfície lisa, Júpiter tinha luas em seu redor, etc. Por seu turno, Huygens tentou, então, criar telescópios com maior alcance e precisão, por forma a descobrir coisas que Galileu não tinha condições de fazer. Desta forma, Huygens dedicou-se a matematizar a Natureza e, com seu trabalho, se tornou, talvez, no primeiro físico-matemático da história, tentando responder a qualquer questão que se apresentasse em forma de enigma; o intuito dele era responder às questões deixadas por terceiros e sempre apelava à matemática como a linguagem privilegiada para dar resposta a essas questões existentes na sua época.

Huygens criou coisas tão fantásticas, que mesmo hoje, ao se rastrear os primórdios de determinados temas, vê-se que existe a semente de Huygens, como explica o Prof. Farina de Souza: É verdade. Por exemplo, o caso das tangentes e curvas que ele chamou de evolutas e involutas, e que deram origem à atual geometria diferencial. Várias coisas começaram com ele, sempre na tentativa de responder a problemas físicos, utilizando a matemática.

Huygens também se destacou na astronomia, principalmente devido ao fato de ter desvendado o mistério de Saturno. De fato, no Século XVII ninguém conseguia entender ou explicar o que acontecia com aquele planeta, que apresentava diversas formas ao longo do tempo. Galileu chegou a pensar que a mudança de forma poderia estar relacionada com a existência de um sistema de três estrelas, mas, de fato, seu telescópio não tinha uma resolução eficaz para fazer uma observação mais pormenorizada. Então, Huygens consegue perceber, pela primeira vez, que ao redor de Saturno existia um anel que não tocava no planeta e isso causou uma verdadeira surpresa na comunidade acadêmica mundial. Huygens explicou, então, que de acordo com o movimento do planeta, a projeção do anel sofria variações angulares. Contudo, todo esse trabalho do cientista holandês demorou anos para se concretizar, por forma a ter a plena certeza de sua descoberta.

Porém, Huygens é essencialmente um físico-matemático e durante cerca de quatro décadas de sua vida ele tentou aprimorar relógios e cronômetros marítimos, que era algo bastante importante para a época, atribuindo-se a ele o primeiro relógio de pêndulo, que, inclusive, originou uma patente. Contudo a maior obra do cientista holandês foi o Horologium Oscillatorium, conforme explica o Prof. Farina de Souza: Sim, essa foi a maior obra de Huygens. O Horologium Oscillatorium é um trabalho que foi publicado em 1673 e embora o nome sugira que seja apenas um tratado sobre relógios, o certo é que esse trabalho é muito mais que isso, já que essa obra contém cinco partes, em que uma delas é uma descrição de relógio, enquanto que na maior parte das outras áreas são descritas as tais definições evolutas e involutas. Huygens generaliza resultados de Galileu no movimento de partículas sobre superfícies curvas, e praticamente ele enuncia, pela primeira vez, a conservação da energia mecânica. Nesse trabalho, o cientista holandês conclui uma conta realizada por Galileu relacionada a força centrífuga, além de, igualmente pela primeira vez, falar do momento de inércia, que é um fator importante no contexto do movimento de rotação, já que não bastava saber qual era a massa do corpo, mas também saber como essa massa estava distribuída. E, nesta particularidade, Huygens queria analisar um relógio de pêndulo, sabendo que o cordão desse pêndulo possuía massa e que essa massa não estava apenas concentrada na esfera de metal. Esse raciocínio demonstra que Huygens sempre se baseava em um problema de física para ir mais além e realmente este trabalho Horologium Oscillatorium é verdadeiramente espetacular, comenta nosso entrevistado.

Sendo uma figura proeminente na ciência mundial, Huygens é devidamente estudado pelos jovens estudantes brasileiros? A esta pergunta, Farina de Souza responde, sim. E a afirmativa vem exemplificada através do denominado Princípio de Huygens, que aparece em um tratado de óptica chamado Tratado da Luz, que é, segundo o nosso entrevistado, uma obra-prima: Todos os estudantes do ensino médio já ouviram falar desse princípio, porque ele afirma que quando você tem uma frente de onda , por exemplo, gerada por uma pedra que é jogada num lago – , para saber a frente de onda, no instante posterior, você imagina que cada ponto de uma frente de onda é fonte de uma onda secundária, e a envoltória das diversas ondas secundárias corresponde à frente de onda no instante posterior. Então, esse é um princípio qualitativo em que você consegue explicar várias coisas, como a lei da reflexão. lei da refração, etc. No ensino médio, tudo que se sabe sobre Huygens se resume a esse princípio, mas ele é muito mais que isso. Huygens poderá não ser tão conhecido, ou seu nome não constituir grande impacto, principalmente porqaue ele ficou um pouco ofuscado pelo genial Newton, cuja diferença de idade era de treze anos apenas. Contudo, Huygens é um dos maiores cientistas do Século XVII e o próprio Newton nutria por ele forte admiração, pontua Farina de Souza.

Na divulgação desta palestra do Prof. Farina de Souza, é referido que uma dor de dente do filósofo, matemático e físico francês, Blaise Pascal, mudou o curso da história, levando Huygens a construir o primeiro pêndulo isócrono. Com um sorriso largo no rosto, Farina de Souza afirmou que esse parágrafo apenas constituía uma forma de criar curiosidade no auditório. De fato, segundo explicou nosso entrevistado, o pêndulo isócrono é um pêndulo que tem um período de movimento independente de sua amplitude de oscilação, ou seja, quando se solta, seja de que forma for, ele tem sempre o mesmo período, o que não acontece com um pêndulo normal, que é isócrono apenas para pequenas amplitudes de oscilação. Huygens sabia que havia necessidade de colocar obstáculos laterais, encostando o fio do pêndulo, porque conforme o pêndulo vai oscilando, o fio vai encostando-se a esses obstáculos: é como se o pêndulo ficasse com um comprimento mais curto. Então, Huygens sabia que, independente do obstáculo, poderia compensar o período. Mas, a pergunta surgiu quase que imediatamente: que forma deveria ter esse obstáculo? O cientista holandês tentou achar a resposta, de uma forma empírica, mas não conseguiu e parou por aí. O que viria a seguir foi bastante curioso, conforma relata o Prof. Farina de Souza:

Blaise Pascal, que havia abandonado a ciência para se dedicar a retiros espirituais e religiosos, foi acometido por uma dor de dente insuportável. Com o intuito de tentar se abstrair de tão forte dor, Pascal decidiu se concentrar em determinadas questões científicas, na esperança de que, com isso, a dor diminuísse. Uma das questões que ele procurou se concentrar foi em uma determinada curva, designada cicloide, problema esse que foi repassado para ele por outro matemático e teólogo, Padre Mersenne. Pascal ficou tão concentrado na resolução desse problema que sua dor de dente sumiu e ele interpretou esse fato como um sinal divino, como uma mensagem de que ele deveria continuar a pensar na resolução do problema da ciclóide. De fato, Pascal resolveu muitos problemas relacionados à cicloide, mas, entretanto, levantava novas questões e, em vez de as publicar, o cientista francês resolveu fazer um concurso que chamou a atenção de inúmeros físicos e matemáticos, entre eles Huygens. Huygens não participou diretamente nesse concurso, mas manteve assíduos contatos escritos com Pascal, trocando informações sobre o tema, o que o transformou num perito sobre o assunto cicloide. Quando Huygens parou de pensar no concurso, chegou à conclusão que a curva que tão insistentemente procurava para resolver seu problema do pêndulo isócrono, era, afinal, a ciclóide, conclui Farina de Souza.

(Rui Sintra, jornalista)

Christiaan Huygens, a Helena da geometria e o tempo aprisionado
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Christiaan Huygens, a Helena da geometria e o tempo aprisionado

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