Palestra

16 de março de 2018

Energia renovável como se apresenta o panorama nacional

O Brasil é um dos países no mundo com a maior porção de energia elétrica renovável, só que completamente concentrada no modal hidrelétrico, ou seja, construída e instalada muito longe dos centros de consumo, provocando, por isso, um problema muito grande no que diz respeito à transmissão.

Este foi o resumo que o Prof. James Waterhouse fez à Assessoria de Comunicação sobre o tema intitulado Energia renovável: um panorama nacional, palestra que o pesquisador apresentou na última edição do programa Ciência às 19 Horas, ocorrida no dia 20 de setembro, no Auditório “Prof. Sérgio Mascarenhas” (IFSC/USP).

E, o problema salientado no início desta nossa matéria deve-se, em primeiro lugar, à distância das hidrelétricas dos centros de consumo. Com exceção de Furnas, que se localiza no estado de Minas Gerais, as restantes localizam-se na bacia amazônica ou no Paraná e os consumidores estão a mais de mil quilômetros de distância, como, por exemplo, Rio de Janeiro e São Paulo. Desta forma, segundo Waterhouse, tem que se utilizar muitas linhas de transmissão, o que tem causado sérios problemas para o país, desde há longo tempo. Embora a geração de energia seja enviada através de novas hidrelétricas, cuja transmissão também foi ampliada, o certo é que ela está ainda aquém da necessidade nacional. “Temos tido muitos problemas com transmissão nos últimos vinte anos, no Brasil, além de termos outro problema muito grave, que é o endividamento do setor elétrico, que hoje é todo estatal”, comenta Waterhouse.

Segundo explicou o palestrante, o setor estatal é controlado pela presidência da república, que fez um decreto para a redução da tarifa energética, só que esse decreto acarretou num endividamento recorde de todas as empresas que não conseguiram cumprir metas de custo: por lei, elas foram obrigadas a vender a energia mais barata e acumularam dívidas. “Só a Eletrobrás, que é uma das faces dessa história – ou a principal face -, tem uma dívida de mais ou menos 45 bilhões de reais. Então, não tem como não quebrar e se quebra, quebra o país. Energia todo mundo consome. Precisamos de energia. O sistema Eletrobrás, se não fosse estatal, estava falido, basicamente”, enfatiza o palestrante. Dessa forma, a dívida de 45 bilhões terá que ser recuperada e quem vai pagar essa dívida, basicamente, é o consumidor, que vai reverter todos esses erros. Contudo, nesse intrincado processo de redução do endividamento, as empresas começaram a contingenciar investimentos. “O primeiro investimento comprometido foi a expansão de linhas de transmissão, e, na sequência, o processo de manutenção das linhas. As linhas de transmissão são ativos e de grande durabilidade – trinta e cinco ou quarenta anos de durabilidade -, então você tem que renovar, fazer uma manutenção compatível, só que sem dinheiro não existe manutenção”, lamenta Waterhouse.

Em face desses problemas, o que todas as concessionárias fizeram foi realizar um mínimo de manutenção possível nas linhas, porque não tinham dinheiro. Na opinião de nosso entrevistado, todo ativo de transmissão enfrenta dois problemas, sendo que o primeiro se concentra na idade de grande parte dos ativos nacionais de transmissão, que foram feitos durante a época do governo militar, tendo-se atingido exatamente o momento de reformá-los e trocar tudo. “Foi exatamente nessa hora que o recurso foi contingenciado. Então, as empresas de distribuição, todas as concessionárias, pouparam recursos, fazendo a mínima manutenção possível aquém da necessidade. Só que, como veio uma recessão brutal (a maior recessão do país), o consumo de energia, que crescia a 6% ao ano, diminuiu. Hoje temos uma sobre-oferta de energia da ordem de 5% e, no processo de retomada de crescimento, com 2% ou 2,5% que o país volte a crescer, esse excedente de energia passa imediatamente a virar déficit e as linhas vão ser imediatamente sobrecarregadas. Num futuro próximo haverá um risco – que não é desprezível – de termos um ativo bastante depreciado, sem a devida manutenção e com aumento de consumo muito grande”, sublinha James Waterhouse.

Na opinião de nosso entrevistado, há probabilidade do país ter vários colapsos. De vez em quando, uma queimada no Tocantins derruba o sistema elétrico nacional, já para não falar de outros acontecimentos e isso provavelmente irá ficar mais frequente, porque, segundo Waterhouse, não houve investimento necessário. “Neste panorama, temos geração de energia, só que se o nosso consumo voltar a aumentar, mesmo a nossa energia elétrica já contratada para construção – como Belo Monte, Jirau, etc. -, logo ficará aquém da necessidade. Além disso, nós temos o problema de transmissão”, sublinha Waterhouse, acrescentando que, num futuro breve, dependendo da taxa de crescimento do Brasil, a energia vai ser um risco para o crescimento. “Particularmente, em alguns locais do Brasil, principalmente no centro-oeste, o problema já é real. O Brasil, no centro-oeste, cresce a uma taxa grande porque aí a crise não foi muito sentida. O centro-oeste vive de plantação de grãos, de commodities agrícolas – que estão cada dia mais valorizadas -, e ele não depende de mercado externo – ele exporta”. Na opinião do entrevistado, o centro-oeste está vindo do lado contrário da crise. “Ele está crescendo. Só que, onde tem grãos, vai a proteína animal, vai o frango, vai boi, vai tudo. E onde vai proteína animal, vão as abatedoras e as processadoras. E onde vão as processadoras, vão as indústrias que dão apoio, que fazem equipamentos, máquinas etc. Cada uma dessas indústrias tem um consumo de energia cada vez maior, nessa cadeia. E por que que o centro-oeste não está conseguindo aumentar a taxa de industrialização no passo que teria o potencial de fazer? Porque, primeiro está faltando energia, não tem segurança energética. A rede de distribuição no centro-oeste é muito aquém da necessidade. A geração de energia também é muito aquém da necessidade e a expansão é muito rápida, e as concessionários do centro-oeste estão altamente endividadas e não têm nenhuma capacidade de resolver o problema a curto prazo. Então, o centro-oeste está pagando um preço muito maior pela falta de um planejamento bem-feito. Só que o centro-oeste precisa crescer e precisa se industrializar, porque ele está longe dos mercados de consumo. Se você não processar localmente esse material para exportar, vai ser difícil porque você tem mil e quinhentos quilômetros de logística e ela é muito cara: além disso, a logística no Brasil é de péssima qualidade”, acrescenta Waterhouse.

O pesquisador enfatiza que a única chance de manter o centro-oeste competitivo é processando localmente todos esses itens, aumentando o consumo local de grãos na cadeia de proteína e processando isso localmente. Só que, para isso, é necessário haver energia e segurança energética – algo que ainda não se conseguiu. “Tudo isso mostra o seguinte: que existe uma enorme janela de oportunidades para, principalmente, os modais renováveis de geração distribuída, todos os modais renováveis. Geração distribuída no centro-oeste já se usa e é o local do Brasil que mais tem geração distribuída, só que através de geradores a diesel, que são altamente poluentes e extremamente caros. Só que o centro-oeste, por outro lado, é muito rico em recursos naturais, então você tem um sol abundante, com poucas nuvens; você tem um excedente de biomassa que apodrece e não é utilizado; e você tem outros recursos naturais. Só o sol e a biomassa já poderiam produzir mais energia que o centro-oeste precisa. Então, é uma questão de levar a tecnologia.

Para James Waterhouse, o centro-oeste é um grande centro de consumo e é, no Brasil, onde a energia alternativa tem a maior chance de nascer em massa, porque existe uma demanda muito grande, quer não só em nível residencial, como industrial. E, a energia alternativa já é competitiva com a energia da rede, sendo, inclusive, muito mais barata – vejamos, por exemplo, a energia solar, que gera em qualquer lugar que se queira. “Você gera, sem necessidade da transmissão e sem necessidade da rede de distribuição. Você gera in loco. Só que ela tem um contra: o sol só está aí durante o dia. Quem tem consumo à noite, ou durante o dia todo, tem que ter duas opções, uma delas é ter bateria de reserva, e a outra é usar a linha. Ou seja, você gera um excedente de energia para a linha e depois você pega de volta, através de um mecanismo de compensação que já foi regulamentado pelo governo. Só que se você não tem uma linha compatível, que é o caso do centro-oeste, como eu vou armazenar? Usar baterias? Elas ainda são muito caras e não tem custo-benefício. Então, eu consigo ter energia, mas é mais barato o diesel do que ter as baterias e as placas solares. Então, para esses casos, a biomassa começa a fazer sentido”.

Contudo, ainda existem outras opções alternativas, como é o caso da utilização da biomassa, da energia eólica, que no Brasil é grande e tem aumentado e vai continuar aumentando, e, por fim, um novo modal que não se fala, mas que vai começar brevemente a ser falado no Brasil, que é a energia hidrocinética. “A energia hidrocinética é como se fosse uma turbina eólica, só que mergulhada dentro do rio. Ela pega a correnteza. No Brasil ainda não existe, mas está começando a nascer através de uma série de iniciativas. Eu participo de uma iniciativa para fazer já um primeiro gerador de 100 kilowatts, que já é uma potência apreciável, para colocar em Tucuruí [Pará] e aproveitar boa parte do que não se aproveita hoje. Então, o nosso potencial hidrocinético é enorme, é tão grande quanto o potencial eólico, só que por enquanto ele é completamente inexplorado. E a tecnologia de hidrocinética já foi desenvolvida em outros países, porque eles usam isso, por exemplo, através das marés ou em bacias, girando o gerador para um lado ou para o outro, e isso tem funcionado em boa parte do mundo”, explica Waterhouse.

Contudo, essa tecnologia que se utiliza no oceano, através de suas correntezas, não é a mesma que se usa para os rios. Existem várias diferenças e a tecnologia utilizada nos rios brasileiros ainda não está madura, já que existem inúmeros pormenores a considerar, como, por exemplo, tocos que podem danificar as pás, ou peixes excessivamente grandes que poderão entrar nas hélices e prejudicar o funcionamento do sistema. Por outro lado, a maior parte das energias alternativas também apresentam alguns problemas complexos, como é o caso das intermitências de geração de energia. Na energia eólica, qual é a solução se o vento parar de soprar? Ou na energia solar, já que só tem sol durante parte do dia? “Quer dizer, tanto a opção de energia solar quanto a eólica têm uma grande intermitência. A biomassa, como se pode acumular, você tira a intermitência, só que no Brasil nós não usamos biomassa em pequena escala. Só usamos em grandes centrais, que são as usinas de cogeração de cana. Então, nós poderíamos usar isso para complementar a energia solar na geração distribuída e é essa é a visão que eu tenho, uma visão um pouco mais holística da simbiose de todos esses processos”, afirma Waterhouse..

O Brasil já tem uma participação grande da energia eólica na matriz, que só vai aumentar. “Para cada ponto de crescimento do PIB, temos dois ou três pontos de crescimento de demanda energética. Então, parte desse crescimento, dessa demanda, será necessariamente feita por energia renovável distribuída. As casas vão começar a ter sua própria geração, as indústrias vão começar a ter a sua própria geração, porque isso significa duas coisas: em primeiro lugar, segurança energética e, em segundo plano, redução de custo. Porque a tarifa está muito cara, com um sistema obsoleto e tudo mais. Temos uma tarifa hoje, por kilowatt/hora, extremamente cara. E a energia renovável já é mais barata que a tarifa. Se é mais barata, então ela tende a crescer de uma forma explosiva. Quanto mais barata, mais rápido vai ser o crescimento. Então, devemos passar por uma expansão enorme dos modais de energia renovável”, complementa o pesquisador.

James Waterhouse prevê que em cerca de cinco anos, o Brasil possa ter um crescimento expressivo disso tudo. Hoje, a energia distribuída é quase nada. Em cinco anos, ela vai ser alguma coisa relevante na matriz. Hoje, ela nem aparece nas estatísticas. A energia renovável aparece, através da eólica, mas ela é concentrada. A energia distribuída, que é a energia da solar ou da biomassa localizada, nem aparece. “É ridículo. E em cinco anos ela vai aparecer de uma forma expressiva nessa matriz energética brasileira. E aí aparecem as consequências positivas disso na empregabilidade, porque o número de empregos e a qualidade dos empregos gerados serão fantásticos, exatamente porque estaremos mexendo com várias tecnologias e não apenas com uma só. E todas essas tecnologias precisarão de técnicos de bom nível. Por exemplo, a energia hidráulica precisa de dez engenheiros para projetar a usina, cerca de vinte mil operários para construí-la num prazo aproximado de quatro anos, e depois uma pessoa apenas para apertar o botão. Então, ela tem um perfil de geração de empregos continuados e de boa qualidade”, conclui nosso entrevistado.

(Rui Sintra – jornalista)

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