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16 de março de 2018

Antropoceno: Indicadores de aceleração da tendência ao colapso socioambiental

Em mais uma edição do programa Ciência às 19 Horas, ocorrida no dia 14 de junho, no Auditório Prof. Sérgio Mascarenhas (IFSC/USP), o Prof. Luiz César Marques Filho, docente e pesquisador do Departamento de História da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), discorreu sobre o tema Antropoceno: Indicadores de aceleração da tendência ao colapso socioambiental.

De fato, existe uma relação causal entre a engrenagem socioeconômica expansiva, que moldou nossas sociedades desde o século XVI, e a tendência ao colapso ambiental. Essa engrenagem, que, desde o século XIX, designamos pelo termo capitalismo, está ocasionando a falência das estruturas de sustentação e da funcionalidade dos ecossistemas, segundo o palestrante.

Sem relação com os temores apocalípticos de outrora, a tendência a um colapso ambiental vem sendo evidenciada pelas ciências e pelas humanidades desde os anos 1960, um colapso que difere dos das civilizações passadas por não ser nem local, nem apenas civilizacional. Ele é um colapso global que ocorre no nível mais amplo da biosfera, da qual as sociedades humanas, tanto quanto as demais espécies, dependem existencialmente.

O que se observa, em nossos dias, é uma aceleração generalizada dessa tendência. Jan Zalasiewicz e outros estudiosos adotam o termo A Grande Aceleração, ao argumentarem em favor da adoção do ano de 1950 como data de referência para o início de uma nova época geológica – o Antropoceno. A singularidade dos dias que correm é o que se poderia talvez chamar de aceleração da Grande Aceleração.

Hoje, a escala de tempo em que se medem mudanças relevantes nas coordenadas ambientais já não é mais o decênio, mas o ano. Assim, por exemplo, em novembro de 2015, mais 25 espécies animais e vegetais foram declaradas criticamente ameaçadas, possivelmente extintas pela nova Lista Vermelha da União para a Conservação da Natureza (UICN). Também o desmatamento vem se acelerando nas florestas tropicais e boreais, sendo que só entre 2000 e 2012 se perderam 2,3 milhões de km2 de florestas, conforme mostra o Global Forest Watch. Houve em 2015 um aumento de 18% nos incêndios florestais no Maranhão e o maior número de incêndios em 17 anos de monitoramento no estado do Amazonas, pelo Inpe.

No que se refere ao aquecimento global, 2015 marcou o momento em que as temperaturas médias superficiais do planeta ultrapassaram 1º C em relação à média dos anos 1850-1900. Quebrar recordes de temperatura tornou-se agora a norma.

O ano de 2015 foi o mais quente dos registros históricos, batendo o recorde de 2014 e 2016 deverá bater o recorde de 2015, com as temperaturas médias globais da superfície do planeta atingindo 1,1º C em relação ao mesmo período de base. Em fevereiro de 2016, a extensão do gelo no Ártico registrou a menor extensão invernal registrada e a estação de degelo da Groenlândia começou, já em abril, dois meses mais cedo, estabelecendo outro recorde, com temperaturas típicas de julho. Em março de 2015, a temperatura no norte da Antártica atingiu 17,5º C, outro recorde histórico.

Em entrevista exclusiva à Assessoria de Comunicação do IFSC/USP, Luiz César Marques Filho aponta que as emissões de gases de efeito estufa continuam desde 2013 no patamar de 32 gigatoneladas anuais. Níveis de emissão de gases de efeito estufa, nesse patama,r conduzirão a um aquecimento médio global superior a 2º C, talvez já por volta de 2036, como calcula Michael Mann. No Mediterrâneo, na região central do Brasil e nos EUA, esse limite pode ser cruzado já em 2030, segundo estudo de Sonia Seneviratne e colegas, publicado na Nature, em 2016.

Em 2015, o motor do aquecimento global – as concentrações atmosféricas de gases de efeito estufa – bateu outro recorde. No último ano, as concentrações de dióxido de carbono aumentaram 3,06 partes por milhão (ppm), a maior taxa de incremento anual nos 56 anos dos registros da National Oceanic and Atmospheric Administration (Noaa) dos Estados Unidos. Nos anos 1960, o incremento médio anual das concentrações atmosféricas de CO2 era de 1 ppm; no primeiro decênio do século XXI, ele era de 2 ppm. Ultrapassou-se agora 3 ppm e há projeções de que esse aumento anual será de 5 ppm em 2026. Mais grave ainda, as concentrações atmosféricas de metano – um gás cujo potencial de aquecimento global é 86 vezes maior que o do CO2 num horizonte de 20 anos – aumentaram no último ano, atingindo níveis acima de 1900 partes por bilhão (ppb) sobre a maior parte do Oceano Ártico em fevereiro de 2016.

Está-se batendo recordes também de retração das geleiras de altitudes, de degradação dos solos, de escassez dos recursos hídricos (superficiais e subterrâneos), de acidificação, eutrofização e poluição por plástico dos oceanos, de elevação do nível do mar, de sobrepesca e de branqueamento de corais. A terceira grande crise de branqueamento (após as de 1997-1998 e de 2010), iniciada em 2014 e que ainda se mantém em ação, revelou-se a pior delas. Ela deve afetar 38% dos corais no mundo todo e já afetou 93% dos recifes de corais da Grande Barreira dos Corais mais da metade dos quais gravemente.

Em 2015, bateu-se, enfim, os recordes de desigualdade social, a causa primeira de todas as crises socioambientais, com a maior taxa de apropriação da riqueza global pelos ricos e ultrarricos, os chamados Ultra high-net-worth individuals (UHNWI). Em 2010, os 388 indivíduos mais ricos do mundo detinham uma riqueza equivalente à de metade da humanidade. Em 2014, eles eram 85 e são, em 2015, somente 62 indivíduos. Durante o mesmo período, a metade de baixo da humanidade perdeu mais de um trilhão de dólares, uma queda de 38%, segundo a Oxfam. O 1% mais rico possui agora mais que os demais 99%.

Se cumprido, o Acordo de Paris conduzirá a aumentos estimados entre 2,7º C e 3,5º C até 2100, em relação ao período pré-industrial. Sua ambição de manter o aquecimento global tão perto quanto possível de 1,5º C não reflete nem o estado da ciência, nem nossa dinâmica econômica expansiva. Na realidade, as energias renováveis não estão substituindo os combustíveis fósseis, estando apenas contribuindo para saciar a insaciável voracidade energética do capitalismo global. Prova disso é que o consumo global de gás e de petróleo continua a aumentar. No primeiro caso, ele foi de 75,3 bilhões de pés cúbicos (Bcf/d) em 2015, deve ser de 76,8 Bcf/d em 2016 e de 77,3 Bcf/d em 2017. No segundo caso, ele deve passar de 93,7 milhões de barris diários em 2015 para 94,4 milhões em 2016 e para 96,1 em 2017, segundo dados e projeções do U.S. Energy Information Administration (EIA) em seu Outlook de 12/IV/2016.

Em termos mais gerais, a compreensão de que a economia é um subsistema da ecologia não está avançando no tabuleiro político global. Nenhum país ou região coloca suas metas de minimização dos impactos ambientais acima de suas metas de crescimento econômico. Constata-se, assim, que a interação entre capitalismo e colapso ambiental – essas duas faces de uma mesma moeda – está se intensificando. Sabe-se agora, mais que nunca, que não se pode conservar um sem sofrer as consequências do outro.

De forma resumida, o palestrante convidado justifica a responsabilidade do capitalismo como causa principal para a degradação dos ecossistemas, porque, segundo ele, o tipo de organização sócio-econômica que é própria do capitalismo é uma organização por definição expansiva. Os mercados, para que mantenham suas taxas de rentabilidade, a expectativa é que se expandam Isso é um fenômeno histórico que ocorreu desde a implantação ou consolidação do capital industrial, na Europa… A busca de mercados, entre outros fatores, leva a que a reprodução do capital seja sempre expansiva. Como vivemos num mundo limitado, num mundo finito, essa dinâmica tende a se chocar, cedo ou tarde, com essa finitude dos recursos naturais. Além disso, a escala de interferência econômica humana nos ecossistemas é hoje de tal ordem que ela interfere, desorganizando esses ecossistemas. Então, nós temos dois fenômenos que correm paralelo: de um lado, uma tendência à escassez de recursos naturais – que talvez não seja o problema maior -, mas por outro lado assiste-se a uma desorganização desses ecossistemas, que levam efetivamente a efeitos em cascata, sublinha o pesquisador.

Para Luiz César Marques Filho, trata-se de uma degradação global, em todos os sentidos – das florestas, do solo, dos recursos hídricos -, sobretudo um verdadeiro colapso da biodiversidade, tanto em terra quanto nos oceanos. Então, essa é a situação em que nós nos encontramos e existe, efetivamente, um vetor de expansão que tende a se tornar mais destrutivo quanto mais dificuldades ele encontra em se expandir.

Então, como inverter essa aceleração da degradação ambiental, sem comprometer a base de sustentação do crescimento econômico e social, da forma como a compreendemos? Para o pesquisador, a solução seria como criar um modo perpétuo. Não é possível. Não vejo como seja possível manter esse modelo, indefinidamente, de maneira a simplesmente apostar num aperfeiçoamento tecnológico e numa mudança de procedimentos do tipo economia circular. Futuramente, isso tudo é muito importante, mas ela também tem limites. São os chamados efeitos de rebote. Você consegue criar um impacto menor por unidade do PIB. Mas como esse PIB cresce, mesmo essa vantagem que você obteve num certo momento, acaba por se anular porque a escala vai aumentando. Um dos elementos, claro, é a população. Mas eu gostaria de frisar que a população é, na verdade, a meu ver, a variável menos importante no momento, já que o mais consistente é a afluência e a destrutividade da tecnologia de que se vale esse aumento da população, complementa Luiz César..

Contudo, no meio dessas constatações relativas ao designado socioambiental, ainda existem personalidades, nomeadamente oriundas do meio acadêmico, que discordam, afirmando, por exemplo, que o aquecimento global é uma farsa, não passando de pretextos para a implantação de determinados vetores políticos, econômicos, etc. Para o nosso entrevistado, se examinarmos qual a relação de forças entre essas duas correntes de opinião, observa-se que 97% da comunidade científica (e não apenas 97%, mas também os cientistas mais qualificados em quaisquer que sejam os critérios que se utilize para avaliá-los) são unânimes em dizer que os desequilíbrios, em geral, da biosfera e os desequilíbrios climáticos têm origem antrópica. São resultados da atividade humana. A ciência é uma coisa que não funciona na base da unanimidade. Ela funciona na base de consenso, que é muito diferente de unanimidade. Então, sempre haverá vozes discordantes em relação a isso. Entretanto, essas manifestações, essas opiniões não têm mais nenhum peso no âmbito das instituições e do conjunto da pesquisa científica, hoje em dia. As grandes publicações (Science, Nature, etc.) são absolutamente receptivas e unânimes, em relação a isso. Ninguém que discorde frontalmente desse consenso terá condições de publicar sua opinião numa publicação de prestígio como essas que mencionei, remata Luiz César Marques Filho.

Estamos a caminho de um holocausto, de uma hecatombe? No entender de nosso entrevistado, existe uma tendência a um colapso ambiental, restando saber o que significa um colapso. Um colapso não é um abismo no qual você cai. Colapso é uma mudança de estado de certo sistema (Terra, biosfera…) para um outro. Existe um conjunto de instabilidades que levam a um ruptura e à passagem para um outro estado e que se recompõe a uma outra instabilidade. Qual vai ser a distância que separa um estado do outro? Qual vai ser a velocidade de uma passagem para outra? Quais serão os impactos imediatos sobre as sociedades humanas? Nós não sabemos. Mas, é claro que estamos passando de um estado para outro e esse estado vindouro é… total!!! Chances??? 99,9% de chances de que esses impactos sejam mais adversos do que aqueles que foram criados pelo Holoceno, por essa época geológica que começou com o final da última glaciação. Então, aquilo que nós chamamos hoje de Antropoceno, é muito fortemente provável que seja uma época muito mais desfavorável à organização das sociedades humanas e de outras espécies, do que foram esses doze mil anos que viram nascer a civilização, conclui o palestrante.

(Rui Sintra – jornalista).

14 de março de 2018

A Grande Aceleração: Vetores de aceleração da tendência ao colapso socioambiental no Antropoceno

A engrenagem expansiva do capitalismo está levando à falência as estruturas de sustentação e da funcionalidade dos ecossistemas. Diferindo dos colapsos civilizacionais anteriores, o colapso que se desenha à frente é global e ocorre no nível mais amplo da biosfera, da qual as sociedades humanas, tanto quanto as demais espécies, dependem existencialmente.

O Antropoceno, a nova época geológica em que ingressamos, caracteriza-se pelo que se tem chamado “A Grande Aceleração”. Quebrar recordes anuais de emissões de gases de efeito estufa, de temperatura, de desmatamento, de retrações de geleiras, de elevação do nível do mar e de diminuição da biodiversidade, tornou-se agora a norma. Por outro lado, a compreensão de que a economia é um subsistema da ecologia, não está avançando no tabuleiro político global. Capitalismo e colapso ambiental permanecem duas faces de uma mesma moeda. Não se pode conservar um, sem sofrer as consequências do outro.

 

 


Resenha

Prof. Luiz César Marques Filho

Em mais uma edição do programa Ciência às 19 Horas, ocorrida no dia 14 de junho, no Auditório ?Prof. Sérgio Mascarenhas (IFSC/USP), o Prof. Luiz César Marques Filho, docente e pesquisador do Departamento de História da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), discorreu sobre o tema Antropoceno: Indicadores de aceleração da tendência ao colapso socioambiental.

De fato, existe uma relação causal entre a engrenagem socioeconômica expansiva, que moldou nossas sociedades desde o século XVI, e a tendência ao colapso ambiental. Essa engrenagem, que, desde o século XIX, designamos pelo termo capitalismo, está ocasionando a falência das estruturas de sustentação e da funcionalidade dos ecossistemas, segundo o palestrante.

Sem relação com os temores apocalípticos de outrora, a tendência a um colapso ambiental vem sendo evidenciada pelas ciências e pelas humanidades desde os anos 1960, um colapso que difere dos das civilizações passadas por não ser nem local, nem apenas civilizacional. Ele é um colapso global que ocorre no nível mais amplo da biosfera, da qual as sociedades humanas, tanto quanto as demais espécies, dependem existencialmente.

O que se observa, em nossos dias, é uma aceleração generalizada dessa tendência. Jan Zalasiewicz e outros estudiosos adotam o termo ?A Grande Aceleração?, ao argumentarem em favor da adoção do ano de 1950 como data de referência para o início de uma nova época geológica – o Antropoceno. A singularidade dos dias que correm é o que se poderia talvez chamar de aceleração da Grande Aceleração.

Hoje, a escala de tempo em que se medem mudanças relevantes nas coordenadas ambientais já não é mais o decênio, mas o ano. Assim, por exemplo, em novembro de 2015, mais 25 espécies animais e vegetais foram declaradas ?criticamente ameaçadas, possivelmente extintas? pela nova Lista Vermelha da União para a Conservação da Natureza (UICN). Também o desmatamento vem se acelerando nas florestas tropicais e boreais, sendo que só entre 2000 e 2012 se perderam 2,3 milhões de km2 de florestas, conforme mostra o Global Forest Watch. Houve em 2015 um aumento de 18% nos incêndios florestais no Maranhão e o maior número de incêndios em 17 anos de monitoramento no estado do Amazonas, pelo Inpe.

No que se refere ao aquecimento global, 2015 marcou o momento em que as temperaturas médias superficiais do planeta ultrapassaram 1º C em relação à média dos anos 1850-1900. Quebrar recordes de temperatura tornou-se agora a norma.

O ano de 2015 foi o mais quente dos registros históricos, batendo o recorde de 2014 e 2016 deverá bater o recorde de 2015, com as temperaturas médias globais da superfície do planeta atingindo 1,1º C em relação ao mesmo período de base. Em fevereiro de 2016, a extensão do gelo no Ártico registrou a menor extensão invernal registrada e a estação de degelo da Groenlândia começou, já em abril, dois meses mais cedo, estabelecendo outro recorde, com temperaturas típicas de julho. Em março de 2015, a temperatura no norte da Antártica atingiu 17,5º C, outro recorde histórico.

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