Falando sobre meditação
O Instituto de Física de São Carlos (IFSC/USP) recebeu no dia 13 de novembro, pelas 19 horas, no Auditório Prof. Sérgio Mascarenhas, a última edição de 2015 do programa Ciência às 19 Horas, com a presença da Dra. Elisa Harumi Kozasa, docente e pesquisadora do Instituto do Cérebro – Hospital Israelita Albert Einstein, que abordou o tema Pesquisas em meditação.
A palestrante falou sobre o fato de, nos últimos anos, ter havido um crescente aumento do interesse do público em geral e acadêmico sobre meditação, bem como yoga, tai chi e outras práticas, tendo sublinhado, também, algumas das principais pesquisas sobre os efeitos e a fisiologia da meditação, incluindo aquelas que utilizam a técnica de neuroimagem funcional.
Embora seja comumente associada a diversas filosofias religiosas orientais, o certo é que a meditação é uma prática milenar praticada e desenvolvida ao longo do tempo por diversos povos e culturas, não só num contexto meramente espiritual, mas, principalmente, como uma ferramenta para o desenvolvimento pessoal do indivíduo, favorecendo o equilíbrio tão necessário entre corpo e mente. Em diversos estudos desenvolvidos no Instituto do Cérebro, no Hospital Israelita Albert Einstein e publicados em importantes revistas internacionais, como a NeuroImage, constatou-se que pessoas que realizam um teste de atenção sustentada durante um exame de ressonância magnética funcional, e que não meditam com regularidade, precisam ativar mais áreas cerebrais do que pessoas que meditam regularmente para obter a mesma performance. Isso pode significar que essas pessoas possam eventualmente ter um cérebro mais eficiente nesse tipo de teste de atenção.
Já em outro estudo publicado na Plos One, foi possível classificar, com uma precisão de quase 95%, se um cérebro, pela sua estrutura, pertencia a uma pessoa que meditava com regularidade ou não. Em um editorial publicado na Evidence-Based Complementary and Alternative Medicine, que teve a colaboração da Dra. Elisa Kozasa e de sua equipe, foi apresentada uma panorâmica de práticas como o ioga e a meditação e suas contribuições na área da reabilitação.
Em entrevista concedida à Assessoria de Comunicação do IFSC/USP, a Profa. Dra. Elisa Harumi Kozasa – uma das pioneiras em pesquisas em práticas complementares em nosso país – afirmou que, de fato, existem alguns estudos indicando diferenças na composição estrutural de cérebros em pessoas que fazem meditação, como, por exemplo, a espessura do córtex cerebral, em áreas pré-frontais do cérebro e na ínsula, que são áreas basicamente relacionadas à atenção e sensação corporal, além de outros estudos que mostram diferenças funcionais do cérebro também em áreas pré-frontais e em áreas igualmente pertencentes ao sistema límbico, que é o nosso sistema emocional. Teoricamente, existe uma diferença na habilidade do meditador em uma atenção sustentada, na relação emocional e na autoconsciência. A meditação influencia principalmente nesses aspectos (atenção, autoconsciência e regulação emocional). No aspecto da regulação emocional tem algumas questões interessantes que são derivadas desse tópico, como, por exemplo, a capacidade de treinar a compaixão. Isso é bem interessante, porque hoje um dos grandes problemas que vemos na humanidade é uma certa desumanização das relações; existem alguns estudos, por exemplo no Max-Planck-Institut, em ressonância funcional, desenvolvidos pela Dra. Tania Singer, em colaboração com Matthieu Ricard – um monge e biólogo molecular por formação que, em conjunto com ela, tem estudado a meditação na compaixão e tem obtido dados bem interessantes nesta prática específica de meditação, que tende a gerar uma maior habilidade de perceber ter empatia e de se importar genuinamente com o sofrimento do outro, sublinhou a nossa entrevistada.
Quanto à questão relacionada a se a medicina reconhece, ou não, os benefícios da meditação, Eliza Kozasa salientou que cada vez mais se percebe que os médicos indicam aos seus pacientes a prática da meditação, em especial em áreas específicas, como, por exemplo, em situações cardiovasculares. Por exemplo, existem estudos desde a década de 70, relacionados à meditação transcendental (uma modalidade de meditação), mostrando que há uma redução da hipertensão em pessoas que praticam essa modalidade de meditação. Existem também estudos que indicam que a meditação é bastante interessante para pacientes que têm depressão. Mas, é claro que nesse caso de transtorno mental, devidamente supervisionado pelo psiquiatra ou psicólogo, existem modalidades, inclusive de terapia cognitiva (uma modalidade dentro da psicologia) que, quando associada à meditação do estilo mindfulness (foco total, ou atenção plena) pode ajudar pacientes com depressão, reduzindo seus sintomas, esclarece a pesquisadora.
Nesse contexto, a meditação pode ser interpretada como um tratamento paralelo, integrativo ou complementar. O tratamento integrativo é quando a própria equipe de saúde, como um todo (interdisciplinarmente), determina quais os benefícios o paciente teria se incluísse – além do tratamento convencional com medicamentos etc., – a meditação ou uma terapia cognitiva com meditação, a exemplo de algumas das modalidades que existem hoje, principalmente desenvolvidas e aplicadas no Reino Unido, cujo NIH (o SUS britânico) oferece a Mindfulness-based cognitive therapy [Terapia Cognitiva Baseada em Mindfulness] a pacientes com depressão maior. A meditação ajuda a regular as emoções, mas não o controle delas. Controle não é um termo adequado, porque no controle, a pessoa muitas vezes, reprime emoções ao invés de transformá-las, de lidar com elas ou expressá-las de forma mais adequada. Quando eu uso o termo ‘regular’, é mais no sentido de ela conseguir lidar melhor com a emoção, transformar a emoção em algo mais positivo e expressá-la de forma melhor, acrescenta Elisa.
Contudo, a meditação é algo que ainda não está muito explorado e que, segundo a pesquisadora, ainda existe muito para ser descoberto, nomeadamente como tratamento integrativo ou complementar. Eu acho que estamos apenas no início de tudo. Muitos estudos não têm um controle experimental adequado. Hoje, cada vez mais se tem essa preocupação com o controle experimental adequado, para que esses estudos possam realmente trazer evidências melhores sobre o uso dessa técnica… Estamos falando da medicina, mas, na verdade, a área educacional é uma das que mais se beneficiarão, porque hoje existem escolas que estão introduzindo práticas meditativas para crianças e adolescentes, no sentido de ajudar esses alunos a desenvolverem não só habilidades informacionais, como também habilidades sociais e comportamentais, que vão interligar-se com aquilo que falei atrás sobre humanização, enfatiza nossa entrevistada.
Por outro lado, e concluindo, a meditação tem-se mostrado muito eficiente na regulação da conhecida TDAH (Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade), havendo igualmente diversos estudos sobre essa área. Neste ano, inclusive, publicamos um estudo sobre a TDAH em adultos, algo que é mais grave do que em crianças, já que esse transtorno se encontra instalado há muito mais tempo no indivíduo. Em geral, muitas pessoas após a adolescência não manifestam mais sintomas (não tão gravemente), e temos, de fato, um estudo com adultos que têm TDAH, pacientes que vieram da psiquiatria da USP e que foram lá e receberam o treinamento em meditação do tipo ‘mindfulnes’, em um programa que foi adaptado para pacientes com TDAH, com um instrutor muito experiente. Então, tivemos um resultado muito bom em relação à habilidade de manter a atenção sustentada e o controle de pulsos. Aliás, esses dois são os piores problemas de quem tem TDAH, ou seja, não conseguir manter a atenção e também não conseguir controlar os pulsos, conclui nossa entrevistada.
A Dra. Elisa Harumi Kozasa é pesquisadora e docente do Instituto Israelita de Ensino e Pesquisa Albert Einstein e Fellow do Mind and Life Institute. Possui graduação em Ciências Biológicas pela Universidade de São Paulo (1989), pós-doutorado (2012), doutorado (2002), e mestrado (1999) pelo Departamento de Psicobiologia da Universidade Federal de São Paulo (Capes 7), onde é professora afiliada. Suas principais pesquisas abordam a neurofisiologia de estados de consciência, como a meditação, através da neuroimagem funcional, e a avaliação de intervenções que envolvem treinamento de habilidades cognitivas e comportamentais e que promovem uma melhor qualidade de vida e bem-estar.
Nestas áreas participou dos diálogos entre pesquisadores e o Dalai Lama, na interface entre efeitos de práticas contemplativas para a saúde, em 2006 e 2011, possuindo colaborações internacionais em andamento com pesquisadores do MD Anderson Cancer Center e Harvard Medical School.
(Rui Sintra – jornalista)